Chefe do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud ) desde 2017, com mandato para seguir até 2025, o alemão Achim Steiner nasceu em... Carazinho, onde viveu seus primeiros oito anos de vida. Viveria ainda mais dois em Porto Alegre após deixar a cidade do norte gaúcho. Seus pais vieram da Alemanha para o Rio Grande do Sul, onde passaram uma década, desenvolvendo grãos para a indústria cervejeira. Steiner trabalhou na União Internacional para a Conservação da Natureza, além de ser diretor do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma), até assumir a liderança do Pnud. Steiner esteve no Brasil e se reuniu com o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, e a ministra do Meio Ambiente, Marina Silva. Em entrevista exclusiva à coluna, traçou os próximos passos da Agenda 2030 da ONU e de seus Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS).
Como foi sua infância no Rio Grande do Sul?
Nasci em Carazinho, em 1961. Meus pais eram agricultores, vivíamos em uma fazenda. Quando tinha oito anos, nos mudamos para Porto Alegre, onde vivi por mais dois anos, até que meus pais se mudaram do Brasil. Aprendi a andar a cavalo antes mesmo de caminhar.
Como seus pais foram morar em Carazinho?
Eles se conheceram na universidade, estudaram agronomia. Meu pai se especializou como desenvolvedor de sementes para a agricultura tropical e, naquele tempo, o Brasil tinha uma política de reduzir a importação de cereais pelas cervejarias nacionais. Meu pai conseguiu emprego em uma companhia que investiu nesse negócio. Veio morar nessa fazenda em Carazinho e desenvolveu novas variedades. Ficamos ainda por dois anos em Porto Alegre, entre o final da década de 1960 e o início da década de 1970.
Como foi a sua trajetória no sistema ONU?
Inesperada. Era diretor-geral da União Internacional para a Conservação da Natureza (UICN), que tem sede em Genebra. Recebi uma ligação do escritório do secretário-geral da ONU, Kofi Annan, perguntando porque não me candidatava para atuar no Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma). Sempre tive paixão pela África, então a oportunidade de atuar na sede do programa, em Nairóbi, no Quênia, foi a opção perfeita. Liderar um programa que ganhava importância, em razão dos desafios que enfrentamos no planeta, foi um jeito lógico de continuar meu trabalho, que sempre teve relação entre ambiente e desenvolvimento.
A lição é que devemos ouvir mais rápido quando a ciência disser que temos um problema. Teria sido mais barato e mais fácil, não estaríamos agora em um mundo beirando o aumento da temperatura de 1,5°C.
Como observa a recente aceleração das mudanças climáticas, e qual o papel da ONU no combate a essa crise global?
Há um aspecto que costuma ser subestimado na percepção geral sobre a ONU e o Pnuma, que foi estabelecido em 1972. Antes, as pessoas achavam que problemas do ambiente eram locais. O início do Pnuma coincide com a evolução do estudo das mudanças climáticas, para entender a camada de ozônio. Alguns dos mais notáveis acordos que concretizamos foram a Convenção de Viena e o Protocolo de Montreal, na década de 1980, para reduzir produção e consumo de substâncias que impactavam a camada de ozônio. Foram os primeiros grandes acordos globais para reparação do planeta. Por muitos anos, a mudança climática foi um debate científico, não impactou as decisões políticas e econômicas. Foi o Pnuma, com a Organização Meteorológica Mundial (OMM), que incentivou a formação do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC). Nos últimos 30 anos, fez o mundo entender o que os cientistas diziam, mesmo que os políticos não quisessem ouvir e agir economicamente em relação a isso. Durante meu tempo no Pnuma, enfatizamos a economia verde do futuro, para garantir que as pessoas tenham suficiente comida e energia, desvinculando o desenvolvimento econômico da destruição do planeta. Essa transição para uma economia mais verde ganhou força a partir do final da década de 1990. Hoje, é indiscutível que devemos mudar o jeito de produzir e consumir. A lição é que devemos ouvir mais rápido quando a ciência disser que temos um problema. Teria sido mais barato e mais fácil, não estaríamos agora em um mundo beirando o aumento da temperatura de 1,5°C já quase inevitável.
Como avalia o protagonismo que o Brasil busca no combate à crise climática?
O Brasil está em posição única neste momento. Há entendimento de que o desenvolvimento sustentável sempre vai estar ligado àquele evento histórico no Rio de Janeiro em 1992, o que sempre dará ao Brasil um papel especial nesse debate. Neste governo, há comprometimento de fazer o Brasil um parceiro-chave para ajudar na proteção do planeta. O Brasil vai sediar a COP-30 em 2025, e, além disso, acabou de assumir a presidência do G20, então nos próximos anos o país terá posição de grande relevância. O Pnud e a ONU olham com atenção para o Brasil, para termos discussões ativas e saber como podemos apoiar e cumprir esses objetivos.
Não podemos resolver os desafios — pobreza, desigualdade, transição verde, novas tecnologias, como inteligência artificial — apenas com projetos limitados, é necessária uma visão global.
Qual é hoje sua atuação no Pnud?
A organização está ativa em 170 países, com 22 mil colaboradores trabalhando com parceiros. Apoiamos os países a implementar a Agenda 2030 de Objetivos para o Desenvolvimento Sustentável (ODS). Não podemos resolver os desafios — pobreza, desigualdade, transição verde, novas tecnologias, como inteligência artificial — apenas com projetos limitados, é necessária uma visão global. Nosso trabalho vai de programas que buscam redução da pobreza extrema ao combate à violência de gênero, e ajudar países a obter financiamento para esses projetos. Estamos ajudando 89 países a revisar seus planos nacionais de financiamento para desenvolvimento sustentável, porque muitos enfrentam enormes restrições para obter recursos. Também ajudamos os países a se atualizar tecnologicamente. A digitalização se tornou uma das variáveis mais importantes para o desenvolvimento nos próximos anos. Uma das características do Pnud é garantir que, em qualquer área, igualdade e sustentabilidade são temas centrais. Com frequência, usamos o caso do Brasil para exemplificar a outros países como reduzir a pobreza extrema, como foi a experiência dos primeiros anos de governo de Lula como presidente. Olhamos para a Índia em digitalização, pois uma parceria entre governo e setor privado permitiu a inclusão digital de centenas de milhões de pessoas em poucos anos.
Como avalia a evolução da Agenda 2030, lançada há oito anos?
Em setembro de 2015, na assembleia geral da ONU, o mundo adotou de forma conjunta essa agenda e estabeleceu 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável. Imagine tentar isso hoje, nesse mundo conflituoso e geopoliticamente estressado. Foi um momento histórico. Há algumas semanas, o Midway Summit em Nova York debateu a agenda. O que pode parecer uma possível falta de progresso criou um debate sobre se os ODS ainda são relevantes. É nítido que não chegamos ao ponto que gostaríamos de ter alcançado. Mas não havíamos antecipado a pandemia, que paralisou investimentos em redução de pobreza em diversos países, e também em transição verde e ações climáticas. Além disso, tivemos uma guerra entre Rússia e Ucrânia, que gerou extraordinárias implicações na economia global. Agora, temos conflito no Oriente Médio. Em muitos países houve significativo progresso em alguns dos objetivos, mas reconhecemos que devemos nos focar em como avançar. Precisamos achar formas de aumentar muito o financiamento à implementação dos ODS. Precisamos de cerca de US$ 3 trilhões por ano, e não estamos nem perto disso. Mas mantemos a visão de que os objetivos são hoje tão relevantes, se não mais, do que eram em 2015, e os contratempos não devem nos tirar da direção.
Todos vemos as consequências das mudanças climáticas, que destroem o desenvolvimento, infraestruturas, moradias, seja em avanços do mar, nas costas, seja em enchentes. Podemos ter um futuro de consequências incontroláveis.
Na busca dos objetivos, é preciso evoluir da busca do crescimento a qualquer custo para um verdadeiro desenvolvimento sustentável?
Temos evidências suficiente, não apenas em economias em desenvolvimento, de que não é mais uma escolha, é inevitável. Continuar emitindo a mesma quantidade de dióxido de carbono não é mais possível. Todos vemos as consequências das mudanças climáticas, que destroem o desenvolvimento, infraestruturas, moradias, seja em avanços do mar, nas costas, seja em enchentes. Podemos ter um futuro de consequências incontroláveis, e precisamos tentar abandonar a ideia de que só o crescimento do PIB define o desenvolvimento. O imperativo ambiental está virando prioridade econômica e política, mas precisamos olhar também pelo aspecto da desigualdade. Tornou-se tão séria e tão divisiva que ameaça todo o tecido social. Se não for resolvida, ameaça também a estabilidade política dos países. Os últimos 10, 15 anos mostraram que a desigualdade tem criado tanta tensão social que nossas sociedades acabaram virando produto de radicalização, e da desintegração. O Pnud tem focado sua perspectiva no futuro do desenvolvimento, que não ignore os riscos ambientais e que resolva também a questão da desigualdade e da pobreza.
Estamos enfrentando uma crise global do multilateralismo e da diplomacia? Como a ONU pode ajudar neste momento?
As necessidades para o nosso futuro não mudaram, e ficou mais urgente pensarmos em transformações e transições. Estamos em um momento em que muitos passaram a chamar "policrise". A ONU, em primeira instância, é um lugar para onde os países-membros vêm, mesmo com todas suas diferenças, e, por meio da diplomacia, da paciência e da negociação, mediação e facilitação, tentamos criar um espaço onde diferenças não definem tudo. Essa trágica sequência de eventos, com os assassinatos horríveis de 7 de outubro, e agora a destruição extrema, com perda de vidas de civis em Gaza, é uma ilustração do que ocorre quando a diplomacia falha. A única alternativa que algumas pessoas veem é o conflito direto e a guerra. A ONU tem trabalhado dia e noite para tentar criar um espaço para proteger civis, garantir ajuda humanitária. É trágico o que estamos testemunhando, é a antítese do desenvolvimento. Na ONU, estamos muito frustrados, porque não estamos sendo capazes nem de entregar ajuda humanitária em Gaza. Há conflitos nos quais as pessoas se tornam refugiadas, mas as de Gaza não têm para onde ir. Precisamos encontrar maneiras para que sobrevivam. Há críticas à atuação da ONU, mas a organização não foi criada com poder absoluto para parar guerras e conflitos, mas para ser um fórum em que os países se reúnem mesmo quando as diferenças estão no mais alto grau. Tentamos manter esse espaço para negociações políticas, ao mesmo tempo em que buscamos salvar vidas e continuar a ser a espinha dorsal da comunidade internacional.
* Colaborou Mathias Boni