A Fundação Dom Cabral (FDC) é uma escola de negócios que, ao longo de 47 anos de atuação, tornou-se referência nacional e internacional. Recebe a cada ano cerca de 27 mil executivos em seus programas. No Rio Grande do Sul, atua há 25 anos em parceria com a Cedem, associada responsável por representar a FDC no Estado. Foi para marcar essa data que o presidente-executivo da fundação, Antonio Batista da Silva Junior, esteve em Porto Alegre, quando afirmou à coluna que o novo ciclo da organização prepara executivos tanto para proporcionar resultado aos acionistas quanto se tornar um agente de bem-estar social, entregando diversidade, inclusão e sustentabilidade. Desta vez, quem diz isso não é um representante de uma corrente alternativa, mas o líder de uma instituição que faz parte da coluna vertebral do universo corporativo nacional.
Qual o papel das empresas hoje?
A empresa vem assumindo um papel que tipicamente não era dela, que o governo entregava. Hoje, é preciso cuidar de diversidade, inclusão, sustentabilidade. Na Fundação Dom Cabral, acreditamos que a empresa que vai sobreviver no século 21 será a que obtiver legitimidade de sociedade. A empresa está deixando de ser apenas um agente de promoção e produção econômica, como aprendi nas décadas de 1980 e 1990, para ser um agente de promoção do bem-estar social. Tem de gerar performance, com retorno para o acionista, no modelo shareholder (detentores de ações), mas também tem de gerar progresso para a sociedade, no sistema stakeholder (detentores de interesse). Não há empresa que sobreviva em ambiente degradado. Queremos despertar nas empresas e executivos essa visão integrada. Os executivos que foram treinados para entregar apenas resultados agora precisam também trazer progresso para a sociedade. A carreira deles depende disso também, o que é um fato novo. Não adianta só, como era no século 20, entregar lucro, crescimento, resultado, sem gerar propósito para as pessoas. As novas gerações, sobretudo, trabalham com propósito. O movimento de quiet quitting, por exemplo, é um movimento de desengajamento, de desesperança.
O importante é a transformação, porque se não mudar por convicção ou conveniência, será por coerção.
É preciso convencer algumas empresas e executivos, não?
O executivo vai ter de se transformar com a empresa, seja por convicção ou por conveniência. O melhor mecanismo é a convicção, perceber que isso é necessário. Mas por conveniência vale também. O importante é a transformação, porque se não mudar por convicção ou conveniência, será por coerção. A sociedade vai coagir a mudar. Todas as empresas vão passar por crises, e vamos ver claramente quais a sociedade vai abraçar, e quais vai empurrar. As que serão abraçadas serão as que a sociedade legitima, que têm causa, propósito. A pergunta que sempre faço é 'qual é o problema da humanidade que a sua empresa cuida?'. Não se faz mais só produtos e serviços, as empresas têm de ajudar a resolver problemas da humanidade.
Existe muita resistência ainda?
Sim, porque não se muda do dia para a noite convicções arraigadas durante décadas. No Brasil, temos uma sociedade muito rica, criativa, inteligente, e um mundo corporativo muito competente. Apesar das crises, dos governos, da economia, da competição internacional, sobrevive, esse segmento produz, faz o país crescer. Mas temos problemas graves, como a questão social, para a qual não podemos mais fechar os olhos. O Brasil está entre as 10 maiores economias do mundo e entre os 10 países mais desiguais, o que é uma contradição que não cabe mais no século 21. Nosso desejo é que se pratique no século 21 os ideais da Revolução Francesa de 300 anos atrás: liberdade, igualdade e fraternidade. O Brasil tem condições de exercer uma liderança e vocalizar mudanças para o mundo. Tem matriz energética limpa, agronegócio produtivo e potente e uma cultura de integração e acolhimento que também é um diferencial em um mundo tão intolerante. Ainda que exista violência, não é uma cultura histórica. A diplomacia brasileira historicamente prega diálogo, consenso. É outro ativo que pode projetar o Brasil. Temos mercado, vitalidade econômica, diversidade.
Se não cuidarem eficientemente das duas agendas, empresas vão desaparecer, e diria que nem merecem sobreviver.
É uma visão otimista?
Sim, a Fundação Dom Cabral tem uma visão muito otimista do mundo empresarial e do futuro do Brasil. Em 47 anos, formamos uma identidade e uma reputação como centro de desenvolvimento de executivos e empresas. Agora, caminhamos para ser um centro de desenvolvimento de lideranças e organizações. Parece um jogo de palavras, mas é uma mudança não tão sutil. Queremos treinar, e já estamos treinando, do CEO da multinacional ao pequeno empreendedor na comunidade, do empresário dono de uma empresa familiar à grande corporação nacional, de uma organização social com sonho de transformação do país ao gestor público que precisa entregar resultados à sociedade. Lançamos uma graduação acadêmica. Temos educação executiva e educação social para a base da pirâmide, para descobrir novos grandes empresários do Brasil nos jovens em situação de vulnerabilidade.
E como respondem aos empresários que questionam0 por que devem assumir responsabilidades que eram do governo se já pagam impostos?
Respondemos que são duas agendas. A empresa não pode abrir mão de ser produtiva, competitiva, lucrativa e profissional. Se não tiver isso, não sobrevive para entregar a outra parte. Tem de pagar impostos, que nunca serão menores. E precisa construir sua legitimidade, tornar-se útil para a sociedade. É uma agenda de médio e longo prazo que vai garantir a sobrevivência no século 21. A boa empresa é aquela que consegue conciliar as duas agendas. Nesse contexto, temos hoje as pioneiras, que puxam e fazem a sociedade avançar, que são exemplo, referência, e uma massa com propensão de acompanhar. De novo, por convicção ou conveniência. E existe ainda um conjunto que está no final da curva. Se não cuidarem eficientemente das duas agendas, vão desaparecer, e diria que nem merecem sobreviver.
Mas por que algumas empresas são bem sucedidas e outras não? Gestão, qualidade da gestão, capacidade de se adaptar.
Existem as que dizem que só sobreviver no Brasil já é um desafio.
Sei que a sobrevivência é uma questão vital, uma luta diária, em um ambiente econômico que não favorece, com leis muito complexas, tributos excessivos e complexos. Mas por que algumas empresas são bem sucedidas e outras não? Gestão, qualidade da gestão, capacidade de se adaptar. Crise sempre vai existir. Temos na fundação o conceito da governança colaborativa, em que as soluções para a sociedade não estão na mão de apenas um setor, só do governo, ou só do empresariado, ou só do terceiro setor, que cresceu e emergiu como uma grande força. Precisamos dos três setores operando eficientemente. Precisamos também de um Estado eficiente, nem grande nem pequeno. A fundação desenvolveu soluções no centro de gestão pública para ajudar na eficiência do setor público. Temos uma solução educacional, chamada Gestão Municipal Avançada, para apoiar as prefeituras. Os governos estaduais e o federal têm mais poder de autodesenvolvimento, treinamento, os municípios têm menor acesso.
Como funciona?
Há diversas modelagens. Pode ser apenas para uma prefeitura, com apoio de uma grande empresa ou recursos próprios, ou em consórcios. Há programas de treinamento, metodologias e ferramentas de gestão, planejamento estratégico, indicadores, e troca de experiências, práticas bem sucedidas, há muitos exemplos positivos que podem inspirar. Queremos formar uma comunidade de gestores públicos de prefeituras. Na parte social, a fundação fez parceria com a Cufa (Central Única das Favelas), para um universo de 20 milhões de moradores aos quais estamos levando educação empreendedora.