A coluna só se surpreendeu menos com o resultado da eleição na Argentina porque, na sexta-feira anterior (20), ouvira do economista Fabio Giambiagi:
— A impressão que tem é que se o peronismo ficar fora do segundo turno a segunda será um dia dramático.
Pesquisador associado da Fundação Getulio Vargas (FGV), Giambiagi é brasileiro. Ou melhor, brassileiro, como pronuncia esse filho de argentinos que passou infância e adolescência no país do tango. A menção ao "dia dramático" embute ao menos três componentes: o reconhecimento da força política desse movimento tão mítico quanto confuso - abriga desde a direita tradicional até a esquerda populista -, os métodos da ala mais barulhenta e o fato de que, se não estivesse no segundo turno, o atual ministro da Economia, Sergio Massa, que disputa a presidência, teria menos incentivos para agir de forma a manter a aparência de normalidade no país que já não tem dólares. Nem pesos.
Vai ser possível chegar a 10 de dezembro ainda com essa sensação da aparente normalidade?
A leitura é de de que Massa faz todo o possível para chegar às eleições. Se ele não tivesse passado, os incentivos teriam diminuído. Sempre se soube que ele usaria o arsenal remanescente de medidas, sempre pode usar os recursos da China (às vésperas da eleição, o presidente "titular" da Argentina, Alberto Fernández, foi a Pequim, de onde anunciou um reforço de US$ 6,5 bilhões). E ele não deve ter feito as contas para chegar apenas ao dia 22 (primeiro turno das eleições argentinas).
O que faz parte desse arsenal?
Diversas medidas populistas. Um dos exemplos é o aumento no limite da isenção para cobrança do equivalente ao nosso imposto de renda, que subiu para R$ 25 mil. Por mais que a inflação esteja enorme, esse ganho no salário líquido deixa muito dinheiro na mão de muita gente nesses dois meses.
Qual o clima na economia da Argentina nestes dias tão incertos?
Uma sensação de paralisia vai se ampliando. Muitas empresas não podem realizar transações, o que dentro de certo tempo pode começar a comprometer as atividades. Sem importações, não consegue concretizar a produção, não pode fechar preço.
O reforço da China, que liberou US$ 6,5 bilhões, fez grande diferença?
O BCRA recebe dólares por um lado, e vende por outro. O câmbio oficial está por volta de 365 pesos, mas um mecanismo futuro relacionado a esse tipo de troca está precificado em 900 em dezembro. Então, quem vai fechar câmbio hoje, se em três meses vai receber três vezes mais? Entram menos dólares, e a economia vai deixando de funcionar.
E o que faz a população, se o valor do dólar é incerto e o do peso derrete?
Corre para ativos reais. Compra carros usados, terrenos. O dólar não é o único ativo ao qual se recorre como alternativa ao sistema financeiro. Não tenho ido a Buenos Aires, mas as pessoas comentam comigo, com certo espanto, sobre como os restaurantes estão cheios. Com um futuro completamente incerto, as pessoas que podem se dão certos prazeres.
Qual é o clima do segundo turno?
Massa arrumou fôlego até o dia 19. Depois, será outra história. A dolarização saiu do discurso de Milei. Agora, o foco é ""derrotar o kirchnerismo" (embora integre o governo em que Cristina Kirchner é vice, Massa é visto como opositor do kirchenarismo dentro do peronismo). Ninguém sabe, por exemplo, quem vai ser o ministro da Economia de Milei.
Não seria ele mesmo, que é economista?
(a resposta foi uma gargalhada, que encerrou a entrevista)