Se a Câmara dos Deputados cometeu a façanha de aprovar uma "agenda verde" com incentivos ao carvão, há risco de que o Brasil marque a estreia oficial nas cúpulas do clima de Luiz Inácio Lula da Silva em seu terceiro mandato com... o ingresso na Organização dos Países Exportadores de Petróleo (Opep).
O convite formal foi feito na quinta-feira (30), com projeção de adesão em janeiro de 2024. A posição oficial do governo brasileiro é de que vai "estudar" a possibilidade. Para especialistas em petróleo, porém, o Brasil já está dentro da Opep.
No comunicado do próprio cartel, é um fato consumado:
"A reunião deu as boas-vindas a Alexandre Silveira de Oliveira, ministro de Minas e Energia da República Federativa do Brasil, que integrará a OPEP+ (...) a partir de janeiro de 2024".
A consultoria Rystad, muito respeitada no universo petroleiro, enviou na noite de quinta-feira (30) uma de suas análises diárias do segmento afirmando que "outro importante resultado da reunião ministerial foi a decisão do Brasil de se unir à aliança Opep+".
A análise tem ainda mais peso por ser assinada pelo vice-presidente sênior da Rystad, Jorge Leon. O nome do Brasil está no título do comunicado, que traz um jogo de palavras aparentemente inspirado no Halloween (um mês depois da data; a coluna não tem boas explicações para essa escolha): "Pirulitos e um doce presente do Brasil falha em adoçar o mercado de petróleo".
Em seguida, o texto se dedica a justificar a suposta adesão do Brasil: afirma que o país é o oitavo maior produtor de petróleo do mundo, com volume diário de 3,6 milhões de barris. E insiste: "Somar a produção do Brasil ao grupo fará a participação da Opep+ no mercado global para mais de 60%, retomando os níveis de 2018".
O Brasil não precisar parar hoje a exploração de petróleo para ser coerente com seu atual discurso ambiental - inclusive porque ninguém mais parou. Mas aderir ao modelo mais acabado de cartel do universo, cuja missão é perenizar essa fonte de energia, seria a maior contradição possível. Entraria para um grupo que acelera a mudança climática, em vez de frear seus efeitos devastadores, citados por Lula em seu discurso na COP28.
E entrando na Opep, o Brasil perde uma característica muito valorizada pelo atual governo: a soberania sobre as decisões relacionadas à produção de petróleo. Como bom cartel, a Opep determina quando a torneira deve ser aberta - para manter o petróleo competitivo em relação a fontes alternativas, ou seja, as renováveis - ou fechada - para fazer o preço subir. Se isso de fato ocorrer, será curioso ver qual será a ginástica para justificar aumento de combustíveis pela elevação da cotação determinada pelos sócios.
Atualização: o presidente da Petrobras, Jean Paul Prates, disse à agência Reuters, na manhã desta sexta-feira (1º), que o Brasil vai, sim, aderir à Opep, mas apenas como observadores, sem participar do sistema de cotas que regula a produção dos participantes:
— Eles chamam outros países que não têm direito a voto, e não são impostas cotas a esses países. Jamais participaríamos de uma entidade que estabelecesse cota para o Brasil, ainda mais com o apoio da Petrobras, que é uma empresa aberta no mercado e não pode ter cota.
Leia mais na coluna de Marta Sfredo