O jornalista Rafael Vigna colabora com a colunista Marta Sfredo, titular deste espaço
Doutor em Economia pela Universidade de São Paulo (USP), pesquisador e professor Titular do Departamento de Ciências Econômicas e Relações Internacionais da UFRGS, Pedro Cezar Dutra Fonseca dedica a vida acadêmica a estudar o pensamento desenvolvimentista. Na esteira das eleições argentinas, ele é mais um dos economistas brasileiros que chamam a atenção para o que parece óbvio: nem insistir no peso, nem se aventurar na dolarização, o novo governante do país vizinho deveria olhar para uma invenção brasileira: o Plano Real, que tinha na sua base de transição um indexador que funcionava como uma segunda moeda: a URV.
Algo como o plano real e a URV seria viável na Argentina?
A URV teve a primeira fase de ajuste fiscal e monetário. Envolvia a dívida de Estados e municípios e a imposição de limites aos gastos e pagamentos. O Real foi a sétima tentativa de estabilização da economia nacional. As anteriores tinham em comum o argumento de que a inflação era inercial, ou seja, os preços se ajustavam porque a economia era indexada (corrigida). Ninguém conseguia sobreviver com aquela inflação. Havia o entendimento de que combater a inflação demandava o congelamento de preços para apagar a memória inflacionária. A lógica era, congela-se os preços e as pessoas apagam aquele passado. Só que isso não deu certo, foi o que se chamou de choque heterodoxo, uma tentativa fora da cartilha.
Qual foi o pulo do gato?
O fato novo foi: para ter choque heterodoxo, é necessário, antes, um ajuste fiscal. Em outras palavras, o plano real admite que o déficit público é uma das causas da inflação. Incorpora essa visão ortodoxa, tradicional. O Real mistura as duas coisas. Começa com ajustes no setor público e de preparação da economia para um choque heterodoxo que não foi anunciado no dia, mas acabou acontecendo em 1994. Ao invés de usar o congelamento, tradicional em outros planos, optou pela indexação via Unidade de Referência de Valor (URV). É uma inovação brasileira, que serviria para a Argentina de hoje.
Era uma ideia bastante ousada?
Sim. Consistia em deixar duas moedas circularem. A meta era coincidir os dinheiros. Pegando o referencial da Argentina, não existe como dolarizar a economia porque nem aqui nem lá haveria dólares suficientes. Deveria ser criada uma moeda para deixar o dinheiro circular. Aqui continuou Cruzeiro Real e teria outro dinheiro qualquer como se fosse o dólar brasileiro. Só que um belo dia tiveram a brilhante ideia: não precisaria duas moedas em circulação, bastaria avisar todos os dias qual valor de uma moeda. Era como se fosse uma moeda virtual (mas em uma época em que sequer a internet era difundida). Não se pagava mais em cruzeiros, mas, sim o equivalente em URVs, um modelo que faria mais sentido para a Argentina.
O Brasil tentou a dolarização?
Houve a tentação de fixar eternamente o real ao dólar. Mas o governo, à época não o fez, um pouco inspirado, justamente, por tentativas fracassadas na Argentina que culminaram tempo depois no Corralito (conjunto de medidas econômicas tomadas na Argentina no final de 2001 que levou ao confisco de dólares nos bancos). O peso se valorizou muito e a consequência foram déficits na balança comercial, pois a Argentina não conseguia exportar, era tudo muito caro. O governo brasileiro optou por um sistema de bandas. Ou seja, permitia-se a variação dentro de um intervalo de valores, uma flexibilidade que dava condições de alterá-las, o que aconteceu no momento em que o real começou a se valorizar perante o dólar (R$ 1 chegou a valer US$ 0,86). O poder de compra do brasileiro experimentou um momento ímpar.
E o que a Argentina deveria fazer?
A primeira coisa que a Argentina terá de pensar é na preparação. A segunda é que não há dólares e, nesse caso, a URV é uma alternativa viável. Mas existe um detalhe: os argentinos precisam acreditar nisso. E a tendência na Argentina é não acreditar, porque eles querem o dólar verdinho. As pessoas compram e guardam. No Brasil, isso não ocorreu porque o nosso sistema financeiro era mais avançado e sólido. O plano real não foi só usar a URV. Foi preciso pensar no câmbio fixo e fazer as pessoas ao invés do dólar usarem algo como a URV. Isso seria um desafio ao novo governante argentino.