Ao encaminhar o encerramento de sua campanha - a "veda eleitoral" na Argentina começa na sexta-feira (17) e vai até domingo, quando se realiza o segundo turno -, Javier Milei fez questão de derrubar uma percepção que vinha sendo construída desde o apoio da terceira colocada na eleição, Patricia Bullrich, e do ex-presidente Mauricio Macri.
Ontem à noite, ao responder se a dolarização seguia em seu programa, depois do acordo com Bullrich e Macri, não hesitou:
— É óbvio que vou aplicar.
Não foi uma frase solta. Em entrevista a um canal de TV a cabo, justificou:
— A dolarização tem a ver com duas partes: por um lado, como se limpam as leliqs (nome da taxa básica de juro na Argentina, como a Selic no Brasil), e por outro, como se limpa a base monetária. "Com uma operação financeira, em três meses posso limpar as leliqs, que implica poder abrir o cepo sem que haja uma hiperinflação". Abrir o cepo significa liberar as restrições existentes hoje a operações com dólares, cujo objetivo é proteger as débeis reservas internacionais da Argentina.
Ou seja, não só Milei derrubou a ideia de que "terceirizaria a economia" para Bullrich e Macri, como se especulava. Também reafirmou uma de suas principais - e mais polêmicas - teses. Em pesquisa realizada pela Atlas - uma das poucas que chegou perto do resultado do primeiro turno - entre 10 e 13 de outubro, 55% da população argentina rejeita a troca do peso pelo dólar. E, ao menos em tese, a dolarização teria de ser aprovada no Congresso, onde Milei não terá maioria. Mas em mais um sinal de que o plano é sério, o candidato admitiu problemas práticos no processo de substituição:
— Quanto à base monetária, existe um problema que não é pequeno: a maior cédula da Argentina é de 2.000 pesos, que compra dois dólares no câmbio paralelo. Então, há um problema da quantidade de notas que precisamos. O processo de conversão da base necessita de mais tempo, Equador necessitou de nove meses.
Considerado a mente por trás da dolarização, o economista Emilio Ocampo afirmava, até há poucos dias, que "passou o tempo" em que a Argentina poderia salvar o peso, ter um banco central e uma política cambial própria. Ocampo já foi apontado por Milei como "o último presidente do banco central", antes do fechamento da instituição - outra de suas propostas supostamente desidratadas neste segundo turno que foi reafirmada pelo candidato autodefinido como "anarcocapitalista".
Nos últimos dias, Ocampo e outros assessores de Milei saíram circulação - em tese, para não alimentar a polêmica que acabou escancarada pelo próprio candidato. Antes de se afastar, o economista sustentava que o melhor, para a Argentina, seria "um choque severo" e dolarizar a economia "enquanto ainda é possível".
Quando custaria a dolarização na Argentina
Conforme estudo do O Instituto Internacional de Finanças (IIF), a dolarização exigiria entre US$ 30 bilhões e US$ 40 bilhões. A entidade, que se apresenta como "associação global da indústria financeira", ou seja, representa os bancos, avalia que o BC argentino "não tem mais reservas disponíveis" e que a alternativa, "captar dólares no mercado", "parece impraticável diante do pouco apetite de investidores estrangeiros por dívida".
Para manter a promessa de campanha reafirmada ontem, o país teria de passar por uma "dolorosa recessão" - com queda no PIB estimada em 3,5% - e uma redução de 15% nas importações, para obter US$ 20 bilhões para as reservas. Nesse caso, sobra para o Brasil: no ano passado, vieram daqui 19,6% das compras da Argentina, atrás apenas da China, com 21,5%, ou seja, em partes quase iguais. E a decisão impactaria diretamente o Rio Grande do Sul que, pela proximidade geográfica e cultural, vende muito ao país vizinho.