Terceiro maior destino de exportações nacionais, a Argentina também é principal mercado do Brasil na América Latina. E tanto por proximidade quanto pelo tipo de produto mais vendido aos vizinhos - sapatos e partes para calçados, autopeças - com forte concentração no Estado, o fato de Javier Milei sair das prévias no país vizinho como candidato mais votado inquieta exportadores gaúchos.
Com 51 anos, o candidato que se apresenta como anarcocapitalista quer acabar com o Mercosul, fechar o banco central argentino e dolarizar a economia do país - três golpes fatais no comércio entre os dois países. A palavra que predomina no segmento é incerteza, a mesma usada pelos argentinos em sua versão local, incertidumbre.
— Por enquanto são só as primárias, que apontaram uma tendência, mas o cenário ainda é incerto. Caso o candidato que liderou a votação inicial venha a ganhar, há mudanças que pode fazer que podem prejudicar as exportações, que já estão mal neste ano. Tivemos queda acumulada de 8,3% no ano, e somente em julho, foi de 24,7% em relação a ano passado — afirma Haroldo Ferreira, presidente-executivo da Associação Brasileira das Indústrias de Calçados (Abicalçados).
A Argentina importou 9,36 milhões de pares do Brasil, pagando US$ 149,5 milhões entre janeiro e julho deste anoO número de pares já representou queda de 8,3% em relação ao mesmo período no ano passado. O Rio Grande do Sul exportou 2.767.321 pares no período para o segundo maior comprador do segmento. A Argentina é o segundo principal destino do setor, atrás apenas dos Estados Unidos.
— Sair do Mercosul seria uma medida que prejudicaria as exportações, dolarizar a economia também prejudicaria as vendas do Brasil, mas precisamos ter cautela. Enquanto o resultado não for confirmado, ficamos no campo da especulação. Hoje, a projeção é de que essa queda se mantenha ao menos até o final da eleição, talvez chegando a cerca de 10% no ano — avalia.
Presidente do Conselho Empresarial Brasil-Argentina da Confederação Nacional da Indústria (CNI), Mauro Bellini ainda processa a surpresa com o resultado das prévias — inclusive com o peculiar sistema de participação popular nessa etapa da definição de candidatos.
— Cria essa situação que deu um resultado (nas prévias), não quer dizer que até a eleição vá se manter — ressalta Bellini.
O empresário, um dos sócios da Marcopolo, diz que, independentemente do resultado eleitoral, quer que o país vizinho "resolva sua situação e volte a ter estabilidade econômica". E explica o motivo:
— A Argentina não é nosso maior parceiro comercial, mas é o melhor, porque compra produtos industrializados, de maior valor agregado, não minério de ferro e petróleo.
Das propostas de Milei, que define como "heterodoxas" — no sentido de divergirem muito no consenso econômico — a que mais o aflige é a do fim do Mercosul:
— O Mercosul é importante para as empresas. Eu, Mauro, acredito que tenha ajudado nos negócios.
Presidente da Associação Brasileira de Comércio Exterior (AEB) , José Augusto de Castro diz que hoje, na Argentina, "ninguém sabe exatamente o que certo e o que errado". Lembra que Milei era apenas um candidato exótico, sem reais chances de vencer a eleição, mas a partir de agora precisa ser levado a sério.
— Agora essa loucura tem chance. Nos próximos meses, o que vai dominar são interrogações, é a "incertidumbre" (incerteza, em espanhol). A proposta de dolarização não parece factível, porque a Argentina não tem reservas. E o país não tem muita margem para fazer escolhas técnicas, e determinadas por impulso costumam ter reversão no final — enfatiza.
Marcos Oderich, presidente do Sindicato das Indústrias de Alimentos e Bebidas do Rio Grande do Sul e diretor da Conservas Oderich, observa a situação de outro ponto de vista.
— O mercado argentino é muito importante para nós, onde mantemos relações há muitas décadas. Apesar deste período instável nos próximos meses, acredito que os compromissos continuarão sendo honrados, principalmente com o respaldo do FMI — afirma, destacando que a Argentina é o principal mercado de importação de milho verde da Oderich, e que corresponde a cerca de 15% das exportações totais da companhia gaúcha.
* Colaborou Mathias Boni