Após anos de proibição, o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) voltará a financiar projetos de desenvolvimento e de engenharia em países vizinhos, disse nesta segunda-feira (23) o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Ele deu a declaração acompanhado do presidente argentino, Alberto Fernández, em encontro com empresários brasileiros e argentinos durante a viagem a Buenos Aires.
Segundo Lula, a atuação do banco de fomento é importante para garantir o protagonismo do Brasil no financiamento de grandes empreendimentos e no desenvolvimento da América Latina.
— O BNDES vai voltar a financiar as relações comerciais do Brasil e vai voltar a financiar projetos de engenharia para ajudar empresas brasileiras no Exterior e para ajudar que os países vizinhos possam crescer e até vender o resultado desse enriquecimento para um país como o Brasil. O Brasil não pode ficar distante. O país não pode se apequenar — declarou.
No discurso, o presidente defendeu ainda que o BNDES empreste mais.
— Faz exatamente quatro anos que o BNDES não empresta dinheiro para desenvolvimento porque todo dinheiro do banco é voltado para o Tesouro, que quer receber o empréstimo que foi feito. Então, o Brasil também parou de crescer. O país parou de se desenvolver e o Brasil parou de compartilhar a possibilidade de crescimento com outros países — afirmou.
No governo anterior, o BNDES fez auditorias em financiamentos a países latino-americanos na década passada e divulgou o resultado numa página especial no site da instituição na internet. As investigações não encontraram irregularidades.
Relação bilateral
Ao lado de Fernández, Lula destacou a importância da relação bilateral entre Brasil e Argentina. O país é o terceiro maior destino das exportações brasileiras e o principal mercado dentro da América Latina. Por sua vez, o Brasil é o país de onde os argentinos mais compram. O comércio concentra-se na compra de trigo argentino pelo Brasil e na venda de automóveis e peças de veículos dos brasileiros para o país vizinho.
— A Argentina é, em toda a América Latina, o principal parceiro comercial do Brasil. Argentina e Brasil tinham um comércio maior do que Brasil e Itália, maior do que Brasil e Inglaterra, maior do que Brasil e França, maior do que Brasil e Rússia, maior do que Brasil e Índia — pontuou Lula.
Durante o evento, o brasileiro disse que a posição da Argentina no comércio exterior precisa ser valorizada.
— A Argentina é o terceiro parceiro comercial do Brasil, só perde para a China e para os Estados Unidos. Isso tem que ser valorizado. Isso só pode ser valorizado, não por conta dos presidentes, mas por conta dos empresários. São vocês (os empresários) que sabem fazer negócio, que sabem negociar — acrescentou.
Do lado argentino, Alberto Fernández saudou a retomada das conversações em alto nível entre as duas nações.
— O que nós estamos fazendo é voltar a fazer com que os vínculos Brasil e Argentina voltem a funcionar, vínculos esses que foram prejudicados — afirmou o presidente argentino.
Os dois presidentes ainda receberam um documento conjunto elaborado pela Confederação Nacional da Indústria (CNI) e a União Industrial Argentina (UIA) com propostas para impulsionar as relações comerciais entre os dois países, e com outros parceiros comerciais, especialmente a partir do Mercosul.
Moeda comum
Antes do evento com empresários, Lula reuniu-se com Fernández. Na saída do encontro, disse que os dois países estão trabalhando o projeto de moeda comum, que funcionaria como uma câmara de compensação digital que reduziria a necessidade de dólares nas trocas comerciais entre Brasil e Argentina.
— Acho que, com o tempo, isso (a moeda comum) vai acontecer, e é necessário que aconteça. Se dependesse de mim, teríamos comércio exterior sempre nas moedas dos outros países, para que a gente não precise ficar dependendo do dólar. Por que não tentar criar uma moeda comum entre os dois países, com países do Brics (grupo formado por Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul)? — indagou Lula.
A moeda comum seria uma unidade de valor atrelada ao peso argentino e ao Real, mas não implicaria uma moeda única, com cada país mantendo a sua moeda. Na visita à Argentina, ficou acertado que os dois países criarão um grupo de trabalho para analisar a viabilidade da moeda comum, com análises que levarão anos. Segundo o presidente, um eventual projeto só será apresentado “depois de muitos debates e reuniões”.
Financiamento especial
Durante a viagem, será apresentada a proposta de um mecanismo de financiamento às exportações de manufaturados do Brasil para a Argentina. Bancos brasileiros públicos e privados concederiam empréstimos em reais para importadores argentinos que comprarem produtos industrializados do Brasil. O banco brasileiro adiantaria o dinheiro ao vendedor e cobraria do comprador argentino.
Os dois países forneceriam garantias (recursos para cobrir eventuais calotes e impedir que os juros subam). O Tesouro Nacional usaria recursos do Fundo Garantidor às Exportações. Os financiamentos só seriam liberados quando a Argentina oferecer a quantia equivalente em reais, por meio de títulos ou contratos com circulação internacional depositados nos Estados Unidos, na Inglaterra ou no Brasil.
O mecanismo funcionaria em moldes semelhantes aos financiamentos concedidos pela China aos importadores argentinos desde 2019. A diferença é que o país asiático fornece contratos de swap (troca de moedas), que passam pelos bancos centrais da China e da Argentina.