Nos últimos dias, uma polêmica antiga foi ressuscitada pela abertura da licitação da fase do gasoduto argentino que pode ter fornecedores brasileiros, o início da tramitação de uma proposta de emenda constitucional (PEC) que condiciona à aprovação do Congresso empréstimos do BNDES com alvo no Exterior e até a viagem do presidente Luiz Inácio Lula da Silva a Cuba - um dos países que não quitaram financiamentos feitos pelo Brasil. Para completar o cenário, a coluna ouviu José Luis Gordon, diretor de Desenvolvimento Produtivo, Inovação e Comércio Exterior do BNDES, que advertiu que, se a PEC for aprovada, a Embraer precisará de licença do Congresso para vender aviões ao Exterior - e as empresas gaúchas, para vender ônibus e equipamentos para caminhões. O banco de desenvolvimento acaba aprovar uma linha de R$ 150 milhões para a exportação de reboques, vagões e outros equipamentos produzidos pela Randoncorp, de Caxias do Sul. Foi parte de uma "oferta" do BNDES com spread básico reduzido a 0,6% ao ano, seguindo a recém-aprovada estratégia de apoio às exportações pelo BNDES.
Como o BNDES vê a PEC que condiciona financiamentos com foco no Exterior à aprovação do Congresso?
Primeiro, é importante observar que o BNDES não financia países. O banco apoia empresas brasileiras, em reais, para venderem produtos ou serviços lá fora. É importante esclarecer isso à sociedade. O Brasil hoje representa 1,5% da exportação mundial. Queremos que as empresas brasileiras ganhem mercado. Quando isso ocorre, contratam mais gente no Brasil, compram mais da cadeia produtiva no Brasil, geram mais impostos e mais renda. Crescem e geram efeito positivo. Não queremos que as empresas brasileiras fiquem limitadas ao mercado nacional. Para isso, temos uma instituição que financia, que é o BNDES, e um fundo garantidor.
Isso existe em outros países?
Em pelo menos 90, como Alemanha, Coreia do Sul, Estados Unidos, Japão. A média mundial da fatia pública do financiamento total à exportação é de 8%. No Brasil, é de 0,3%, ou seja, quase nada. Quando uma empresa brasileira vai competir para vender produtos a outro país, o concorrente pode chegar com um produto tão bom quanto o nosso, com financiamento e garantia. Aí perdemos competitividade. Entre 1991 e 2022, o BNDES apoio US$ 100 bilhões em exportação. Mas houve uma grande queda. Em 2010, foram US$ 11 bilhões, no ano passado, só US$ 600 milhões. Na atual gestão, em seis meses, passamos de US$ 700 bilhões.
Com a PEC, o Brasil geraria custo para o setor empresarial, tirando competitividade. Vai contra a reindustrialização do Brasil.
Voltando ao ponto, como o BNDES vê a PEC, que pode barrar financiamentos à exportação de serviços?
É importante observar que o texto da PEC não se restringe a serviços. Da forma como está a proposta, pega tudo. Se aprovada, para exportar aviões da Embraer, será preciso autorização do Congresso. Vale para ônibus, automóveis, caminhões. É um modelo contra a liberdade do setor empresarial, contra as empresas exportarem. O BNDES não vê problema em ir ao Congresso fazer um relato do que foi feito, prestar contas. Mas autorização congressual para financiar exportações não existe em qualquer outro lugar do mundo. Com a PEC, o Brasil geraria custo para o setor empresarial, tirando competitividade. Vai contra a reindustrialização do Brasil. Não está no caminho certo. O Congresso tem total direito de discutir o que achar necessário, mas esse seria um retrocesso, porque impediria as empresas brasileiras de exportar e ganhar mercado.
As polêmicas com a exportação de serviços fizeram o BNDES parar de atuar nesse segmento, isso foi retomado?
Não, o BNDES deixou de atuar na exportação de serviço. E correspondeu, entre 1998 e 2017, a 1,3% da carteira do banco, quase nada. Nesse período, liberou US$ 10 bilhões e recebeu US$ 12 bilhões, foi uma atividade superavitária. Quando fazia, era porque, junto com a exportação de serviços, iam máquinas e equipamentos feitos no Brasil. Mesmo assim, não ia um centavo para o país, apenas para as empresas que prestavam serviços. Recentemente, surgiu a informação de que, com a saída do Brasil de Angola, chineses e espanhóis estão dominando o mercado.
Grande parte dos recursos foi para os Estados Unidos, mas estamos discutindo três países que tiveram problemas.
Mesmo assim, conforme o relatório que menciona esses valores, há inadimplência de Venezuela, Cuba e Moçambique. Por que isso ocorre?
Nesses casos, que são minoria, foi adotado um modelo de financiamento pós-embarque para as empresas brasileiras, em que o devedor fica sendo o país. Mas o dinheiro não foi para o país, foi para pagar importação de empresas brasileiras. Grande parte foi para os Estados Unidos, mas estamos discutindo três países que tiveram problemas.
A inadimplência é ao redor de 10% do total liberado, não é irrelevante.
Como funciona em todos os países que financiam exportações, existe um fundo garantidor para as operações que têm problemas, que ressarce o BNDES. Então, o banco não tem perdas. E o mais importante é observar que esse fundo (de Garantia à Exportação, FGE) não tem recurso do contribuinte. É formado por um prêmio cobrado do próprio exportador. Então, não são os contribuintes brasileiros que arcam em caso de perda. É justo, porque a Embraer, por exemplo, teve 1.290 aeronaves apoiadas por financiamento do banco. Funciona assim nos 90 paíse que financiam exportações.
E no caso da Argentina, o BNDES teria interesse em financiar fornecimento para o gasoduto?
Nesse caso, também não é exportação de serviços, que não estamos fazendo. Seria de produtos, tubos, chapas e válvulas. Se uma empresa brasileira vencer a licitação, se o FGE der garantia e se a Argentina der garantia, o BNDES vai avaliar as condições. É o que eu falo para eles, só vamos entrar com garantias.
Então existe uma negociação?
Não, ainda não abrimos discussões formais.
Na gestão passada, queriam fechar o banco para exportações. Na atual, é uma prioridade.
Nessa linha de apoio às exportações, o BNDES aprovou há pouco uma linha para a gaúcha Randoncorp, qual é o contexto?
Queremos voltar a apoiar a exportação. Lançamos uma política, aprovada por lei no Congresso, que tem R$ 2 bilhões, inicialmente, com redução de spreads (percentual que remunera o banco). Estamos baixando o custo para empresas menores e para as que têm maior valor agregado. Lançamos e, em 48 dias, fechamos toda a primeira fase. No caso da Randon, foram R$ 150 milhões de uma linha de pré-embarque, com foco em reboques e semirreboques. Abrimos mais R$ 2 bilhões sem redução de spreads. O fato de mostrar que o BNDES estava disposto a financiar criou toda essa demanda. Estamos até estudando uma nova leva, sempre a taxas de mercado. Só com essa iniciativa, já contratamos mais do que todo o ano passado. Isso mostrou que o BNDES tem grande importância para as exportações. Na gestão passada, queriam fechar o banco para exportações. Na atual, é uma prioridade.
Isso tudo teria de ser aprovado pelo Congresso, se a PEC fosse aprovada?
Com esse modelo, sim. Teriam de ser aprovados pelos parlamentares.
Quais as demais prioridades?
Temos uma linha de apoio à neoindustrialização, para que o setor industrial possa inovar. Como é uma atividade de maior risco, estamos oferecendo a taxa mais barata da história do banco, com TR de 2% e spread de 2%, total de 4% ao ano. Vamos operar de forma direta e com os repassadores das linhas do banco. Começamos a operacionalizar neste mês, e a previsão é de R$ 5 bilhões neste ano, com base no FAT (Fundo de Amparo do Trabalhador), com percentual limitado por lei aprovada no Congresso.
Qual é o foco?
É inovação, novos produtos, novos processos. Mas não é preciso reinventar a roda, pode ser pode ser digitalização, automação industrial, novos materiais., novos equipamentos. Tudo o que tem desenvolvimento incremental.