Na semana em que foi aprovado o novo arcabouço fiscal, o ex-secretário da Fazenda do RS, Aod Cunha traçou à coluna algumas percepções e cuidados que identifica na atual gestão do país. Quando a regra válida era o superávit primário (resultado positivo de todas as receitas e despesas do governo, excetuando gastos com pagamento de juros) ele conduziu o Rio Grande do Sul para três anos consecutivos de saldo positivo (2007, 2008 e 2009), algo que não acontecia desde 1998. Depois dele, novo superávit só ocorreria por aqui em 2021, já na gestão de Eduardo Leite.
Qual a avaliação sobre a gestão fiscal?
São dois ângulos. O primeiro: o país apresenta, há muito tempo, uma tendência de expansão do gasto público em relação ao Produto Interno Bruto (PIB). O segundo é a dificuldade de manter um equilíbrio fiscal. É preciso aprender a controlar o gasto público e perceber que aumentar os gastos não é sinônimo de melhoria para investimentos. A classe política crê que com mais dinheiro atende melhor às demandas. Mas há limites para isso, o Brasil é um país de renda média e o gasto público cresce acentuadamente. Do outro lado da moeda está o fato de que sem condições de financiamento suficiente na arrecadação pública para cobrir essa expansão cria-se outro problema que é o aumento do débito, vinculado com uma trajetória de dívida pública que sai do controle e pressiona as taxas de juro.
E o arcabouço?
Antes dele, o teto de gastos foi uma tentativa de disciplinar a Lei de Responsabilidade fiscal, que sozinha acabou por se demonstrar frágil, por falta de um mecanismo de equilíbrio para colocar freio no gasto público. Quando bateu no teto se resolveu criar um novo mecanismo que deu mais flexibilidade, mas, ao menos, tenta mostrar alguma linha de ação para evitar o descontrole. Só que isso depende do aumento da arrecadação. É melhor tê-lo do que não tê-lo, mas continuamos em um modelo permissivo ao crescimento de gastos. Isso exige que o país eleve a carga tributária. Não adianta espernear no momento que carga tributária está aumentando, a mobilização real é sobre o tamanho do gasto público no Brasil e se ele é ou não eficiente, existem métricas para saber como o recurso público é usado e que efeitos ele. Do contrário, vamos sempre ter de propor um aumento de gasto que demandará aumentar a carga para compensar.
Terá efeito positivo para a taxa Selic?
O Banco Central (BC) age bem no processo de desinflação. Os movimentos atuais nos combustíveis são pontuais e os indicadores mostram uma tendência de permanência do IPCA em patamar compatível com uma trajetória de redução gradual de taxa de juro até o final do próximo ano. O que mudaria esse cenário seria uma eventual preocupação do governo com o crescimento mais baixo no ano que vem, o que só melhoraria com reformas que promovam a melhoria no ambiente econômico. O receio é que ao invés de escolher por reformas o governo caia na tentação das políticas de aumento de gastos, utilização de crédito do BNDES, como já vimos no passado. Esse seria o risco de a taxa não continuar em queda em 2024. Nas condições atuais, apesar de incertezas, o nível da inflação permite a continuidade das reduções até o final do ano que vem. O risco é voltar o modelo em que o Estado crê que pode fazer tudo e com gastos excessivos.
O novo PAC não é um aceno para isso?
A leitura que faço é de que foi um conjunto de investimentos que já estava em execução, outro de retomada de obras que foi “empacotado” de uma maneira diferente para que se tivesse uma percepção de mais impacto. o problema, outra vez, é a tentação que precisa ser evitada de acreditar lá na frente que crescimento maior virá de um Estado gastando muito. O Brasil cresce, sistematicamente, menos do que o mundo nas últimas cinco décadas, em diferentes governos. Para melhorar isso, é preciso de qualidade na educação, melhorias nos modelos de infraestrutura, maior abertura econômica, ainda somos muito fechados. É um conjunto de coisas e não depende do gasto direto do setor público. Espero que tenhamos aprendido com o passado a não acreditar que em eventuais desacelerações econômicas por conta de uma produtividade menor pode ser compensada com aumento de gastos públicos, temos provas de que isso não funcionou no passado. E não vai funcionar outra vez.