Dez meses após conquistar uma inédita reeleição para o governo do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite precisa lidar com um problema que já se considerava superado com a assinatura do Regime de Recuperação Fiscal (RRF): os termos da dívida com a União.
Com o corte no ICMS dos combustíveis, o governo perdeu arrecadação, viu crescer os gastos com pessoal na proporção da receita e tenta revisar os termos do acordo da dívida. Sem a renegociação, nas palavras do próprio Leite, a situação fiscal do Rio Grande do Sul fica inviável.
Em entrevista concedida no Parque Assis Brasil, onde ocorre a 46ª Expointer, em Esteio, Leite também falou sobre a revisão de carreiras do funcionalismo, os desafios para melhorar a educação e o futuro do PSDB. Confira os principais trechos:
O senhor aprovou a reformulação do IPE Saúde e ficou sem agenda legislativa para o restante do mandato. Há algum projeto polêmico ou reforma mais profunda a ser enviado à Assembleia?
O foco agora é melhorar a performance, com reestruturação de secretarias e carreiras
Fomos eficientes na reestruturação do Estado, fizemos privatizações, reformas nas carreiras dos servidores, então a base de comparação gera essa expectativa. Uma reformulação com aquela profundidade talvez o Estado já não precise, mas o mandato é longo, temos três anos pela frente. O primeiro governo foi de ajuste nas contas. O foco agora é melhorar a performance, com reestruturação de secretarias e carreiras. Precisamos melhorar as áreas que são a espinha dorsal do serviço público, as pessoas que formulam as políticas públicas.
Vem aí contratações e redesenho de carreiras?
Estamos buscando apoio de organizações para fazer uma reanálise dessas carreiras e na remuneração para melhorar a estrutura de forma coerente, sem remendos. Reestruturamos as chefias, os cargos em comissão e agora é a vez do pessoal que faz o governo andar na elaboração e na execução dos contratos, fiscalização e tudo mais. Noventa por cento do tempo de um governante é garantir que a máquina rode, resolvendo encrencas para garantir que a polícia esteja na rua, que as escolas estejam abrindo, que as estradas sejam mantidas.
Como reformular carreiras e valorizar servidores estando tão perto do limite da despesa com pessoal permitido na lei de responsabilidade fiscal?
É um desafio. A perda de arrecadação que tivemos ano passado foi responsável pelo atingimento do limite prudencial (46,55% da receita corrente líquida) e o Estado já enfrenta diversas restrições em função disso. Temos uma expectativa de um cenário melhor pela frente, tanto na arrecadação quanto no desempenho da economia. Temos que construir essas condições com cuidado, pois o Estado tem limite na remuneração do pessoal.
Servidores ativos e aposentados estão recorrendo a empréstimos consignados. Há alguma expectativa de reajuste ou algo que possa minimizar isso?
Reconhecemos o valor dos servidores, mas o Estado tem um contingente de aposentados em relação aos ativos que é o maior do Brasil. Não é culpa dos servidores, dos aposentados, mas é um custo com o qual o todo o Estado tem de arcar. A sociedade deixa de ter investimentos porque precisamos usar os recursos para pagar este passivo que se acumulou. Os próprios servidores acabam pagando o preço, numa remuneração que tem dificuldade de avançar ou no atraso dos salários, conforme vimos recentemente. Colocamos o salário em dia e concedemos reajuste de 6% ano passado. Estamos buscando novas alternativas dentro dos limites, mas não há possibilidade de fazer movimentos que gerem grande impacto na folha.
O senhor poderia citar algumas dessas alternativas em estudo?
Não posso adiantar nenhuma iniciativa. Estamos vendo alternativas, olhando as carreiras. Pelo contrato do Regime de Recuperação Fiscal, temos de cumprir superávits primários, receita maior do que a despesa. Estamos negociando com o Ministério da Fazenda esses limites porque, por conta da própria decisão da União e do Congresso no ano passado, a nossa arrecadação caiu. Então os superávits não poderão ser atingidos nos patamares que se tinha contratado antes dessa queda de arrecadação. E a despesa de pessoal interfere. Se eu tiver de cumprir o superávit primário, bom, vou ter que ser ainda mais rigoroso na política de pessoal, reestruturação de carreira, revisão geral, nomeações, tudo.
Nós já estamos com o cinto apertado. Não vai dar para afrouxar nada
Podemos ter um momento de apertar o cinto?
Nós já estamos com o cinto apertado. Não vai dar para afrouxar nada.
Onyx Lorenzoni, seu adversário em 2022, diz que hoje o senhor dá razão a ele quando criticava o acordo da dívida. Como o responde?
Com a mesma pergunta que fiz na campanha eleitoral e ele não respondeu: qual era a alternativa? Ele fala como se houvesse. Foi chefe da Casa Civil (do governo Bolsonaro), por que não apresentou alternativa? O PEF (plano de equilíbrio fiscal, defendido por Onyx) só permitia contratação de operações de crédito, não suspendia o pagamento da dívida. Provavelmente ele não sabe no que está falando, quer sustentar uma narrativa.
Qual é o cenário fiscal do Rio Grande do Sul se não houver renegociação no Regime de Recuperação Fiscal?
O regime foi uma medida acertada. É importante trazer isso porque aqueles que criticam falam como se houvesse uma alternativa. Não havia por parte do governo, seja ele de Lula e Dilma no passado, seja por parte de Bolsonaro, nenhum presidente ofereceu ao Rio Grande do Sul uma revisão. Houve repactuação dos juros, mas as condições da dívida eram aquelas. O Estado ficou sem pagar durante um período, mas com uma liminar atrelada à assinatura do regime. Se não assinasse o regime, a liminar caía e o Estado teria de voltar a pagar tudo. Mas houve uma decisão nacional de reduzir as receitas (de ICMS) que interfere na nossa capacidade de pagar. Há sensibilidade do governo federal, do presidente Lula e do ministro Fernando Haddad, que tem sido bastante atencioso, solícito com a sua equipe.
Mas como fica o cenário se não houver revisão das regras?
Aí se torna inviável por conta da redução da nossa receita. Não tem como cumprir os parâmetros. Foram R$ 3 bilhões, não foram R$ 3 mil nem R$ 3 milhões, foram R$ 3 bilhões de perda de arrecadação. O Estado gasta R$ 1,5 bilhão por mês com a folha de pagamento, então é como se nos tirassem dois meses de salário dos servidores em um Estado que até há pouco tempo estava atrasando salários.
Pode voltar a atrasar?
Não, não, nós trabalhamos para que isso não aconteça.
Mas pode voltar a não pagar a dívida?
O Estado está batendo no limite prudencial e o superávit não vai conseguir alcançar o montante que estava contratado. Então a gente precisa repactuar
Nesse curto e médio prazo, o pagamento está suspenso por conta da compensação das perdas de receita. Eu não tenho um problema de fluxo, mas tenho problema de indicadores. O Estado está batendo no limite prudencial e o superávit não vai conseguir alcançar o montante que estava contratado. Então a gente precisa repactuar.
O governo federal deu prazo para renegociar?
Temos uma expectativa que ao longo dos próximos meses. Seguramente até o final do ano. Estamos em uma boa conversa com o secretário do Tesouro Nacional, Rogério Ceron, e com o ministro Haddad. Conversei com o ministro por telefone semana passada.
O senhor privatizou a CEEE e nos últimos desastres climáticos houve uma enxurrada de reclamações pela demora na religação da energia. O serviço da Equatorial lhe satisfaz?
Deixou a desejar no atendimento pós-ciclone. Houve um fenômeno climático com impactos mais fortes do que já se tinha observado em qualquer outra situação, gerou o maior número de desligamentos de unidades consumidoras da história da CEEE. Nas primeiras 48 horas houve o restabelecimento em volume expressivo, mas ao longo dos dias seguintes a companhia demonstrou dificuldade. Precisa melhorar a performance. Mas a companhia pública também deixava muito a desejar e o Estado não tinha nem como apertar. A Agergs está abrindo processos e há possibilidade de que sejam aplicadas multas. A companhia foi chamada a apresentar explicações e isso ensejou a troca do presidente.
O secretário de Turismo, Vilson Covatti, está há mais de um mês afastado e sem data para retornar porque concorre a uma vaga no Tribunal de Justiça Militar. Não incomoda a secretaria ficar tanto tempo sem comando?
Não está sem comando, o secretário-adjunto exerce interinamente as funções, os programas estão rodando. Estamos vendo com o Partido Progressista (PP) como se dará a sua substituição.
Ele não volta mais para o governo?
Ao que tudo indica devemos encaminhar um outro titular para essa secretaria. Mas isso será definido junto de nossos parceiros políticos.
O PSDB perdeu identidade e capilaridade nos últimos anos. Como um player para a eleição presidencial de 2026 pretende recuperar a essência do partido?
O que importa é ajudar a construir uma agremiação no centro político, que não esteja nessa radicalização
Fosse por mero interesse eleitoral, não teria me filiado ao PSDB em 2001. Era um partido pouco expressivo no Rio Grande do Sul. Depois fui convidado por outros partidos que me ofereciam melhores condições, mas fiquei no PSDB porque não é uma conveniência eleitoral. É crença, do ponto de vista ideológico, programático, na forma de fazer política. No espectro político brasileiro, não enxergo um outro em que eu consiga exercer isso nacionalmente. Insisto em buscar, no PSDB, a expressão de um partido que corresponda a como entendemos que deve se organizar o Estado. Os resultados eleitorais podem vir, podem não vir, podem demorar mais. O que importa é ajudar a construir uma agremiação no centro político, que não esteja nessa radicalização que tenta convencer que o adversário é pior, que ataca, agride e fere as relações.
E qual é esse lugar do PSDB para conquistar eleitorado e ser relevante no debate nacional?
Mostrar que a gente tem uma alternativa a essa polarização, porque fala-se como se essa régua fosse estreita e tivesse apenas dois caminhos. Ou é Lula ou é Bolsonaro. E não, não é apenas Lula ou Bolsonaro.
Mas foi o que aconteceu nas últimas eleições, e não parece ter mudado o cenário até agora.
Não interessa. Não estou pensando na última eleição, nem na próxima. Estou pensando no caminho político que entendo que o país deva seguir. Essa polarização, essa radicalização, vai acabar. Podemos migrar até para outra polarização. A polarização, por si só, não é um problema. O problema é o nível de radicalismo e quais são os polos que estão disputando. E esses polos que estão aí não estão nos representando. Não me posicionei na última eleição justamente por isso, porque não me representam. Eleitoralmente, talvez não seja o mais fácil. Mas tanto Lula quanto Bolsonaro, nos próximos anos, encerrarão a sua participação na política. Esta polarização, em alguma medida, vai acabar. E quando acabar, o PSDB vai se fazer necessário.
O governo Lula está atraindo boa parte dos partidos no Congresso e Simone Tebet (MDB) está no governo. A direita enfrenta uma crise com as suspeitas sobre o ex-presidente Bolsonaro. Para 2026, com quem o senhor espera formar uma coalizão de centro?
É precipitado dizer. No primeiro ano do governo anterior, o atual presidente estava inelegível e preso. Traçar uma projeção para daqui a três anos é muito difícil. Estamos no primeiro ano de um governo, eu acabei de ser reeleito e estou focado no governo.
Mas hoje o senhor está projetando uma candidatura a presidente em 2026.
É possível que isso aconteça. As circunstâncias podem ensejar isso, pode ser que o nome seja outro. Não estou na política para ser isso ou aquilo. Estou na política para fazer alguma coisa diferente. Seja liderando o processo, seja apoiando alguém.
O senhor enxerga alguém hoje que teria o seu apoio?
Podemos conversar com muitas pessoas, mas vai ser lá na frente. A gente acabou de passar pelo processo eleitoral.
Em Porto Alegre, o partido integra a base do prefeito Sebastião Melo. O senhor vai levar o partido para uma composição com o MDB em 2024 ou para a candidatura própria na capital?
Da minha parte, o PSDB precisa buscar a candidatura própria na capital.
O senhor anunciou a retirada da Brigada Militar do Presídio Central, mas os servidores da Susepe falam em déficit de 4 mil agentes. Há previsão de novas contratações?
Nosso compromisso sempre foi não deixar deteriorar a segurança pública a partir da redução do efetivo
Estamos desenhando um cronograma. Seguramos isso um pouco para ter um desenho melhor do comportamento da arrecadação. Não é exclusividade do Rio Grande do Sul, boa parte do país está observando queda nas receitas. Esse movimento está na agenda, mas suspenso até termos um melhor entendimento do perfil da arrecadação. A gente sabe que teremos de avançar em nomeações porque nosso compromisso sempre foi não deixar deteriorar a segurança pública a partir da redução do efetivo. Nosso governo foi o primeiro em 20 anos que terminou com efetivo maior do que o que recebeu e vamos manter esse ritmo.
O senhor elegeu a educação como prioridade e anunciou parceria público privada (PPP) para reformar escolas, mas as obras só começam no final de 2025. Não é muito tarde para uma prioridade?
Muitas coisas já foram feitas. Compramos computadores para todos os professores, aumentamos o valor da merenda escolar, mudamos o plano de carreira dos professores e iniciativas de reformas e ampliações fora das PPPs. A PPP é uma das frentes, leva tempo. São cem escolas, cada uma delas tem um projeto específico, e depois tem que acoplar a manutenção ao longo de 30 anos.
O senhor garante que até o fim do mandato as escolas estarão com a estrutura física resolvida?
Tenho certeza de que teremos outro padrão de escolas disseminado. São 2,3 mil escolas, é difícil dizer que todas serão valorizadas, pelo nível de degradação.
O senhor está satisfeito com a velocidade do trabalho das secretarias de Educação e de Obras?
Estou satisfeito em ver evolução, não estou satisfeito com o que estamos sendo capazes de entregar. É uma das coisas que cobro muito. Tudo o que eu quero é ter escolas bonitas, atraentes, interessantes, que as pessoas queiram trabalhar e estudar. Mas antes disso preciso dar dignidade às escolas. E, antes da dignidade, eu preciso desinterditar as escolas que foram interditadas por problemas estruturais, falta de manutenção ao longo do tempo. Estamos indo nessa direção.
Dos R$ 4 bilhões da venda da Corsan quanto vai para a educação?
A educação tem absoluta prioridade. Fazer estrada é importante, mas se chegarem os projetos para as reformas, para os equipamentos necessários na educação, vamos fazer escolhas e colocar na educação os recursos. Temos absoluta clareza de que é pelo capital humano que o Estado vai conseguir criar um horizonte de melhor desenvolvimento econômico. Não há um valor travado para a educação, mas ela tem absoluta prioridade.
Vamos usar esses recursos com responsabilidade, conforme os projetos estão ficando prontos
Mas quanto essa prioridade significa em termos de orçamento?
A gente não vai pegar os R$ 4 bilhões e ratear agora. Vamos usar esses recursos com responsabilidade, conforme os projetos estão ficando prontos.
E quando o senhor começa a anunciar os investimentos?
Já fizemos alguns, mas os de maior volume vamos começar nos próximos meses. Vamos priorizar convênios com os municípios porque ano que vem é eleitoral e temos que fazer convênios e transferências até março. São programas de infraestrutura urbana, que ajudam no turismo, e de esporte, vinculados a comunidades vulneráveis. Temos ajudado muito porque entendo que o Estado precisa melhorar as cidades, isso é fator de retenção de talentos.