O jornalista Rafael Vigna colabora com a colunista Marta Sfredo, titular deste espaço
Antes mesmo da aprovação da PEC de Transição que abriu os caminhos para elevar os gastos do atual governo Lula, em dezembro do ano passado, o economista Luiz Gonzaga Belluzzo era das poucas vozes dissonantes a amenizar os riscos fiscais. Defendia à época, uma âncora mais flexível, anticíclica no economês. Veio o arcabouço fiscal que responde exatamente ao modelo considerado por ele o ideal. Não é de hoje que Belluzzo exalta a necessidade de indução da economia pelo governo, por meio de um grande plano de investimentos. No início do mês, foi anunciado o novo Plano de Aceleração do Crescimento (PAC), com R$ 1,7 trilhão – R$ 371 bilhões em recursos da União.
O que é preciso para destravar os investimentos?
Antes é preciso contextualizar. O Brasil teve avanços na industrialização com a conjugação de investimentos públicos e privados entre os anos 1950 e 1970, crescendo em média 7% ao ano, que é algo expressivo. Isso ocorreu por meio de uma transformação estrutural da economia. Depois da crise da dívida externa, isso tudo foi desmontado. É bom lembrar que essa forma de coordenação entre o setor privado e público é algo típico das economias de mercado capitalista e financeira. Agora, existem coisas desconexas.
Como avalia a tentativa do governo federal, via PAC?
A caminhada até aqui é uma tentativa de "devastar a mata" para ver se consegue encontrar as presas que são, justamente, o crescimento e o desenvolvimento econômico. Devastar a mata significa recuperar a capacidade de investimento que hoje está em nível muito baixo. O país investe não mais do que 14% do PIB. Em períodos anteriores e no segundo governo Lula chegou a 20% do Produto Interno Bruto (PIB). Teve queda muito forte depois do teto de gastos e a visão vulgar de que se não há dinheiro não se gasta. Isso joga contra o próprio capitalismo, que é um sistema coordenado. Digo isso, porque como a receita só cresce se capitalistas e consumidores gastarem e pagarem impostos para que aumente o circuito da renda. Com isso, a arrecadação também cresce. Ou seja, se não tiver gasto, nem privado e nem público, de empresários e consumidores, a renda não circula. É difícil entender isso? As vezes me parece que sim.
Até que ponto o governo deve ser esse indutor?
O que acontece é que nos últimos anos o investimento agregado caiu e esse é o grande direcionador, porque quem investe transforma a economia estruturalmente. É assim que se cria novos setores, sobretudo, num momento de revolução tecnológica e energética importante como o atual. Isso tudo exige coordenação, não vai ser por espontaneidade. O mercado não fará isso sozinho, é o que o Joe Biden está fazendo lá nos EUA. Na verdade, ele move um programa de investimentos públicos com gastos e subsídios para recuperar um pouco da industrialização norte-americana, que também capotou. Programas como o PAC são muito saudáveis para articular o Estado e o Setor Privado, até porque essa é uma separação é fantasiosa. Não existe economia sem que o Estado tenha atuação para coordenar o setor privado. Até as mais liberais fazem isso e, veja bem, não estamos falando de comunismo, mas de uma economia articulada e planejada pelo Estado.
Como percebe as condições para isso no país?
Vai no compasso em que as condições políticas permitem. É pertinente, a questão é que não se pode conceber é que o Estado - até por suas atribuições fiscais de arrecadação e gastos - seja um ente externo ao sistema econômico. É o desempenho dele – do Estado – e a forma como ele age que dará a real relevância de uma economia em expansão.