Secretária de Energia do Ministério da Economia da Argentina, Flavia Royon esteve no Brasil na semana passada, acompanhando o ministro Sergio Massa, também candidato à presidência. No ano passado, Flavia protagonizou a polêmica sobre o gasoduto Néstor Kirchner, grande projeto de sua gestão, quando afirmou que o BNDES já havia se comprometido a financiar parte da obra. O traçado prevê que a estrutura chegue a Uruguaiana, onde se conectaria com a rede de dutos brasileira - desde que se construa também o trecho Uruguaiana-Porto Alegre. Agora que a ideia conta até com apoio do empresariado gaúcho, reitera a disposição de contar com ajuda brasileira ao projeto.
Como foi essa última viagem ao Brasil?
Estivemos com o presidente Lula, com o ministro (Fernando) Haddad, e membros de seu gabinete. Tratamos de temas como financiamento, falamos sobre o gasoduto e as possibilidades em infraestrutura. Estamos abrindo uma licitação internacional nesta semana para a compra de placas e canos para a segunda etapa do gasoduto. Seria natural que empresas brasileiras participassem, e que o governo possa financiar essas importações.
Foi discutido financiamento do BNDES para o segundo trecho do gasoduto?
Sim, temos conversado, não especificamente na última viagem, já vínhamos trabalhando com o BNDES. Caso uma empresa brasileira se apresente à licitação, o BNDES pode financiar essa operação.
É uma licitação aberta, internacional, na qual o Brasil deve ser mais um dos participantes. Claro, para a Argentina seria uma satisfação que uma empresa brasileira ganhasse essa licitação.
Existe uma proposta do BNDES para financiar cerca de US$ 400 milhões em 10 anos para Techint-Usiminas participarem da licitação?
Sim, é o que foi passado em reuniões anteriores. Mas é uma licitação internacional, com empresas de outros países. O Brasil deve ser mais um dos participantes. Claro, para a Argentina seria uma satisfação que uma empresa brasileira ganhasse essa licitação.
A licitação será aberta nesta segunda-feira? Qual é o prazo final?
Sim, a licitação se abre já nesta semana. Depois, haverá 40 dias corridos para a apresentação de ofertas.
Os demais interessados são empresas da China e da Arábia Saudita?
Sim, efetivamente.
Isso permite que o gasoduto atual, que leva gás do norte do país ao centro, possa ser usado para substituir o gás importado da Bolívia. No futuro, pode permitir exportar gás ao Brasil através da Bolívia.
Como está hoje a obra do gasoduto?
O primeiro trecho já foi terminado e já está transportando 11 milhões de metros cúbicos por dia. Avançam também as estações de compressão, até meados de outubro, a capacidade de transporte deve ser elevada a 20 milhões de metros cúbicos por dia. Lançamos também a licitação da inversão do fluxo. Isso permite que o gasoduto atual, que leva gás do norte do país ao centro, possa ser usado para substituir o gás importado da Bolívia. No futuro, pode permitir exportar gás ao Brasil através da Bolívia. Esperamos que a obra seja finalizada em maio de 2024. Se e tudo caminhar bem, deve ser tudo concluído até o fim de 2024.
Esse segundo trecho, até San Jerónimo, poderia exportar gás para o Rio Grande do Sul?
Sim, exatamente. Poderia se transportar gás através de Uruguaiana. O segundo trecho eleva a capacidade de transporte a 40 milhões de metros cúbicos por dia, e a Argentina poderia ter um saldo exportável para o Brasil por Uruguaiana no verão.
Com o segundo trecho do gasoduto terminado, poderia iniciar a exportação para o Brasil no verão entre 2024 e 2025.
Há estimativa de quanto gás a Argentina poderia exportar ao Brasil com o gasoduto completo?
Sim, ao menos entre 10 e 20 milhões de metros cúbicos por dia. Mas também poderiam ser feitas outras inversões do fluxo de compressão para aumentar esse volume. Com o segundo trecho do gasoduto terminado, poderia iniciar a exportação para o Brasil no verão entre 2024 e 2025.
Como foi a reunião com o governador Eduardo Leite, em julho? O gasoduto também foi o principal tema?
Sim, falamos do gasoduto com o governador Eduardo Leite. Foi um tema no qual ele manifestou interesse, bem como representantes da indústria. Ficamos de fazer uma visita aí nos próximos meses, e também esperamos que ele e sua comitiva voltem à Argentina.
O que o gasoduto significa para a economia da Argentina? A exportação de energia pode se transformar em uma das principais fontes de renda para o país?
Sim, e isso já está começando a acontecer. No ano passado, a balança energética argentina foi negativa em torno de US$ 4,5 bilhões. Neste ano, será positiva em cerca de US$ 100 milhões. Em 2024, projetamos saldo positivo de US$ 3 bilhões. As exportações de petróleo e de gás estão fortalecendo a macroeconomia argentina e gerando recursos em moeda estrangeira. Por outro lado, sem a necessidade de importar gás, melhora a situação da balança argentina. Com matriz energética competitiva e obras de infraestrutura de transporte de gás, é uma peça fundamental para o desenvolvimento da indústria argentina: do setor de energia à mineração, a metalmecânica, a produção de fertilizantes e petroquímicos, por exemplo.
Como é trabalhar e planejar obras de longo prazo com uma eleição presidencial em outubro?
As eleições certamente são importantes, mas não devem impedir o desenvolvimento de projetos estratégicos. Assim, seguimos trabalhando, porque a política energética e o desenvolvimento da infraestrutura demandam planejamento a médio e longo prazo. Há também, na Argentina, um certo consenso político sobre a importância do setor energético para o desenvolvimento do país.
Na Argentina, esses recursos pertencem às províncias, e as províncias onde existe lítio — Salta, Jujuy e Catamarca — formaram um comitê interprovincial, com um plano de desenvolvimento relacionado ao mineral.
Quais são os planos da Argentina para exploração das reservas de lítio?
Esses recursos pertencem às províncias de Salta, Jujuy e Catamarca, que têm um plano de desenvolvimento. A exploração não é exclusiva, há muitos investimentos diretos de empresas estrangeiras. Também estamos trabalhando o desenvolvimento da cadeia de valor do lítio, tanto dos provedores, com a indústria química, como o desenvolvimento de baterias na Argentina.
Você tem falado de um aplicar um modelo próprio de transição energética na Argentina. Como seria?
Planejamos uma transição energética que considere as capacidades de nosso país. Isso é, o gás natural como combustível de transição, pois a Argentina tem menos de 1% de sua matriz energética com carvão, praticamente não temos carvão. Precisamos também dar um salto nas energias renováveis, para que também representem desenvolvimento industrial e atraiam mão de obra. Temos como objetivo a incorporação de mais energia hidrelétrica em nossa matriz, assim como outras energias diversificadas. A Argentina, como o Brasil, é um país muito grande, com muitos recursos, então planejamos uma transição energética na medida de nossos recursos e nossas capacidades. Por isso, explicamos também o papel do gás, do desenvolvimento offshore e do petróleo, porque a transição energética precisa de financiamento, e a Argentina precisa desenvolver os recursos que hoje estão disponíveis para efetivar essa transição.
* Colaborou Mathias Boni