O pibão do primeiro trimestre foi tão surpreendente que mereceu comentários pouco usuais - "sultans of soybean", "está ruim, mas está bom" -, mas também fez pensar sobre qual será o efeito desse número fora da curva no futuro.
O PIB é focado no retrovisor, ou seja, no passado recente, mas quando traz elementos muitos novos também tem impactos no futuro, seja em forma de mudança de expectativas ou em consequências para políticas públicas.
No primeiro "susto bom" com a atividade econômica acima das expectativas, uma das primeiras leituras foi sobre o risco que isso representava para início do corte do juro básico. A lógica é a seguinte: o juro sobe ou fica alto por muito tempo exatamente para reduzir o apetite de consumo, na tentativa de conter a inflação. Com menos compras, há menos produção, ou seja, a intenção de colocar a Selic em órbita é exatamente desacelerar a atividade econômica.
O debate que o pibão traz é que, apesar do resultado vistoso, o freio não funcionou apenas sobre uma atividade específica, a da agricultura, que decolou impressionantes 21,6%. Mas na indústria, o que cresceu 2,3% foi o segmento extrativo - minério de ferro, petróleo -, a indústria de transformação -, enquanto a produção das fábricas (indústria de transformação) ficou estagnada. O famoso "consumo das famílias", que é afetado pelo crédito apertado, mal se moveu, com variação positiva de 0,2%.
Mesmo assim, a preocupação sobre como será lido o pibão pelo Comitê de Politica Monetária (Copom) que se reúne nos dias 20 e 21 deste mês brota das análises sob a forma da inquietação com dúvidas sobre a "potência da política monetária restritiva". O aumento de renda no campo até pode pressionar a inflação de forma pontual, mas a supersafra também ajuda a conter preços dos alimentos.
Não há expectativa - nem na equipe econômica - de corte na Selic neste mês. Mas a perspectiva de que a direção do Banco Central (BC) tire a tesoura da gaveta onde dormita há três anos - a última poda ocorreu em 5 de agosto de 2020 - já está disseminada mesmo entre os economistas mais preocupados com a inflação. Por isso, o que se espera para o dia 21 é um comunicado que abra a porta para o afiador. Será que o pibão pode mesmo adiar o primeiro passo para o talho, que é avisar que vem aí?
Nesta sexta-feira (2), o resultado da produção industrial de abril mostrou que um dos setores mais sensíveis ao juro alto, a indústria, sente toda a "potência da política monetária restritiva": caiu 0,6% na média, com perdas em 16 dos 25 setores pesquisados pelo IBGE. Enquanto isso, o varejo enfrenta uma de suas maiores crises de crédito, resultado da combinação entre juro alto e o famigerado "evento Americanas". Melhor chamar o afiador.