Havia suspense sobre a eventual adesão do Brasil ao acordo Iniciativa Cinturão e Rota, conhecida como "nova rota da seda", e sobre a confirmação de uma fábrica da BYD (de Build Your Dreams) para veículos elétricos na antiga fábrica da Ford em Camaçari - aquela que o Rio Grande do Sul "perdeu" para a Bahia. Nada disso se confirmou.
O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, negou adesão ao ambicioso programa chinês já em Xangai e ninguém falou em BYD (pronuncia-se biuaidí). Na lista de memorandos de entendimento - documentos que podem virar grandes projetos ou mofar na gaveta - produzida pela visita do presidente Luiz Inácio Lula da Silva à China apareceu uma "palavra mágica". Mas pode ser o primeiro passo de um caminho promissor ou dormitar em gaveta.
O terceiro ponto no detalhamento dos termos do acordo de cooperação em tecnologias da informação e comunicação (clique aqui para ver a íntegra) é o seguinte:
3. Desenvolvimento e aplicação de novas tecnologias, incluindo computação em nuvem, big data, Internet das Coisas (IoT), semicondutores (destaque da coluna) e energia fotovoltaica inteligente.
Aí está a palavra mágica. Os pequenos circuitos integrados também chamados de chips estão em todas as conversas. Já paralisaram a produção de veículos, provocaram a necessidade de rodízio em linhas de produção de gigantes gaúchas, são alvo de uma insistente campanha de entidades empresariais nacionais para garantir produção nacional e são o foco de uma estatal que acabou de ser salva da extinção, a Ceitec, de Porto Alegre.
Será o acordo uma boia de salvação dessa fábrica de chips? Não se pode responder nem com bola de cristal. Mas é uma janela. Pode escancarar ou bater outra vez na nossa cara. Embora a Ceitec esteja longe de ser um modelo de eficiência e produtividade, é importante observar que há um vento global a favor. Nos Estados Unidos, relatou à coluna o CEO da Gerdau, Gustavo Werneck, há várias unidades em construção, com incentivos públicos. O trecho, para facilitar:
— Isso gerou um incentivo do governo federal muito forte. Há 30 novas fábricas sendo construídas nos Estados Unidos para poder produzir localmente esses componentes eletrônicos.
A coluna também acompanha a tentativa de entidades empresariais de garantir produção nacional de semicondutores, mas a Ceitec não está mapeada nesse movimento. No dia da chegada de Lula à China, o mundo prendeu a respiração. Nada relacionado ao presidente brasileiro. Foi um degrau a mais na tensão entre Pequim e Taiwan. Desta vez, o ex-secretário de Comércio Exterior, Welber Barral, ouvido pela coluna, diagnosticou, sobre o risco do agravamento do conflito sobre a produção de chips:
— Se acontecesse hoje, o mundo pararia. Mas tanto a Europa quanto os Estados Unidos estão dando muitos incentivos à produção local, e esse cenário vai mudar em quatro ou cinco anos.
Como a coluna já relatou, até 2021 Taiwan respondia por nada menos de 92% da produção global de semicondutores mais avançados. Só uma empresa da ilha, a TSMC, tem mais da metade do mercado global desses circuitos integrados. Se a projeção de Werneck estiver certa, o Brasil tem pouco tempo para decidir entre o caminho e o mofo. Em quatro ou cinco anos, americanos e europeus terão resolvido seus problemas de dependência de chips. E o Brasil, com ou sem Ceitec?