Se o acordo entre China e Mercosul tinha vocação para ser um sonho de um dia de verão, a mudança de estação pode fazer florescer outro tipo de acerto comercial com nome técnico - Iniciativa do Cinturão e Rota, BRI na sigla em inglês -, e apelido atrativo: a nova rota da seda.
Na viagem que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva começa no outono do Brasil e termina na primavera da China, há especulação de adesão a esse projeto encarado como uma tentativa chinesa de ampliar sua já grande influência global.
A especulação decorre do fato de que o Brasil sonha com investimentos chineses para reforçar a depauperada infraestrutura nacional. Para destinar recursos, a China "oferece" - digamos - a adesão a esse projeto que é uma das prioridades de Xi Jinping, o mais poderoso presidente do país depois de Mao Tsé Tung. Apresentado em 2013, prevê aportes em transporte e infraestrutura, tanto terrestre (o "Cinturão") quanto marítimo (a "Rota"). Este, portanto, é um ano comemorativo- o 10º - para a iniciativa quer alcançar sua ambição em 2049.
No balanço da primeira década, a China assinou memorandos de entendimento com 140 países - a maioria na África - e 32 organizações internacionais, conforme o Centro de Políticas de Desenvolvimento Global da Boston University. Mesmo envolvendo tantas negociações, a "nova rota da seda" não é um tratado multilateral, mas uma série de acordos bilaterais. O apelido tem forte simbolismo porque faz menção ao momento histórico - antes de Cristo - em que a China era o centro da economia da Ásia e da Europa. A rota da seda original levava o produto têxtil do Oriente ao Ocidente em uma rede comercial que criava conexões multiculturais entre os países que interligava.
A pandemia foi uma pedra no meio da nova rota da seda: a excessiva dependência da China no comércio internacional estimulou movimentos chamados de reshoring (levar a produção de volta ao país de origem), nearshoring (levar a produção para mais perto do país de origem) e friendshoring (levar a produção para países aliados). Essas tendências já são percebidas claramente nos Estados Unidos, relatou à coluna Gustavo Werneck, CEO da Gerdau.
A posição do Brasil é acompanhada com atenção pela comunidade internacional. A coluna viu um diplomata fazer um movimento com as mãos em direções opostas (direita para a direita, esquerda para a esquerda, significando oposição, afastamento) ao descrever uma suposta escolha do governo Lula entre os eixos do poder global, China e Estados Unidos. É esse o tamanho do desafio.
Então, se entrar na nova rota da seda pode dar ao Brasil acesso a investimentos de que o país precisa quase desesperadamente também pode criar ruído na relação com os EUA. Analistas sustentam que o melhor é manter equidistância entre as duas potências. Mas vai ser preciso resistir à tentação do financiamento abundante e facilitado... caso o Brasil encare a nova rota da seda.