"Esperança cautelosa" é a melhor definição para o clima, entre os exportadores gaúchos, em relação ao mecanismo de financiamento de venda de produtos brasileiros à Argentina esboçado no encontro entre os presidentes Luiz Inácio Lula da Silva e Alberto Fernández.
Nesse meio, que sente no bolso os efeitos da escassez de dólares no país vizinho, que vem reduzindo os negócios e retardando pagamentos, não se gasta muito tempo com a suposta moeda comum entre os dois países. O que interessa, mesmo, é que a intenção para de pé.
E é aí que mora o problema. Até agora, se sabe que a iniciativa passa por dois bancos públicos comerciais - Banco do Brasil do lado de cá e Banco de la Nación Argentina do lado de lá - e um Fundo Garantidor de Crédito (FGC) que incluiria ativos argentinos com valor de mercado e boa liquidez para assegurar as operações em caso de novas desvalorizações ou simples calotes.
O principal produto de exportação gaúcho para a Argentina poderia se beneficiar desse arranjo, avalia o presidente da Associação Brasileira das Indústrias de Calçados (Abicalçados), Haroldo Ferreira:
— Foi positivo, é melhor do que não discutir e não dialogar. Há boas intenções, foi criado um grupo de trabalho que vai trabalhar nesse projeto. Agora será preciso definir os detalhes, essenciais para saber se vai funcionar ou não. É natural que ainda existam imprecisões, estamos há pouco mais de 20 dias da posse do governo. O bom é que todos queremos aumentar as relações comerciais com a Argentina. Não há uma solução mágica, as respostas precisam ser construídas.
Na mesma cadeia, com status diferente, estão os componentes para a produção, que têm na Argentina o maior destino fora do Brasil. Silvana Dilly, superintendente da associação do segmento, a Assintecal, detalha que esses produtos são caracterizados como bens de capital. Nesse caso, deveriam enfrentar menos dificuldade, mas não é o que está acontecendo:
— Para nós, começou a trancar entre outubro e novembro. Além de uma solução para o financiamento, precisamos da redução da burocracia. Quando vendemos, precisamos preencher um formulário chamado Ciras. Há alguns meses, a liberação leva até 120 dias.
Essa é outra estratégia do país vizinho para retardar desembolsos em dólar. Isso tem gerado distorções, como a compra de imóveis por montadoras brasileiras para poder receber em pesos. Embora o Banco Central de la República Argentina siga informando reservas de US$ 42,8 bilhões, não é número que o mercado considera.
Nesse caso, não se trataria de maquiagem - a contabilização segue as regras. Boa parte desses recursos estaria bloqueada, restando quase nada - ou ainda menos. Como assim, "menos do que nada"? Consultorias econômicas independentes estimam saldo negativo de US$ 32,2 bilhões nas reservas argentinas.
— Ainda não dá para dizer se vai funcionar ou não. Mas a reunião foi produtiva porque agora essa é uma briga de todos os segmentos, inclusive muito fortes, como automotivo e farmácia. Não vou dizer que esteja otimista, mas estou esperançosa. Temos de acompanhar e cobrar os próximos passos — diz Silvana.
Para Ruben Bisi, vice-presidente de relações institucionais do Sindicato das Indústrias Metalúrgicas, Mecânicas e de Material Elétrico de Caxias do Sul e Região (Simecs), para os exportadores a possibilidade é "extremamente positiva", mas pondera que, como brasileiros, é preciso ter cautela, especialmente porque ainda não se conhecem os detalhes.
— Se é para melhorar as exportações brasileiras, esse dinheiro poderia financiar outros países. Se é para ajudar um país vizinho para que o Mercosul funcione melhor, é preciso que os países se ajudem mutuamente.