Nascida como uma fábrica de pregos em 1901, a Gerdau virou um grupo siderúrgico global - em 2022, gerou mais resultados nos Estados Unidos do que no Brasil. Agora, não quer mais ser definida como uma siderúrgica, mas como uma produtora de aços que agrega serviços aos clientes, como diz seu CEO, Gustavo Werneck. Mais, quer se tornar uma empresa B: vem certificando unidades, deve obter neste ano o da operação nos EUA e prevê alcançar em 2025 o "carimbo" que atesta desenvolvimento socioambiental em paralelo com os resultados de todo o negócio. Empresas B, conforme a definição, buscam melhorar a sociedade, não apenas lucrar a qualquer custo. Gustavo, que vem implementando essa visão de forma crescente nos negócios, diz que a diversidade está na vida. Transformá-la em inclusão e equidade é uma decisão que cabe aos líderes.
Após dois anos de resultados fora da curva, há uma pressão por tentar manter ou não há esse estresse por consciência de que as condições não se repetem?
De fato, a gente não se estressa em repetir, mas se estressa muito para tentar ser a melhor versão de nós mesmos todos os dias. Temos a humildade necessária para saber que o resultado de ontem não garante o sucesso de amanhã. Tivemos os dois melhores anos da história e continuamos trabalhando muito para que isso se repita e possa criar as condições de perenidade e sucesso futuro da Gerdau. Este ano tem tudo para ser também extraordinário para nós. Provavelmente não vai ser tão bom quanto 2021 e 2022, especialmente pelo momento que o Brasil está enfrentando, mas quando comparamos com 2019 para trás, entregaremos mais um ano excelente comparado com a série histórica. A questão é essa: não podemos ficar em zona de conforto, achando que, por estar com um balanço agora muito saudável, as coisas vão acontecer naturalmente. Aprendemos muito com os erros do passado, não queremos ter uma empresa alavancada, não queremos ter dívida alta. Queremos crescer com os pés no chão, hoje pra nós é muito mais importante a rentabilidade do que o tamanho ou o crescimento. Então, estamos vivendo um momento de profundo aprendizado, de celebração de resultados, mas com a mente muito focada em buscar o máximo que podemos.
Pela primeira vez na história, a operação nos Estados Unidos passou a gerar mais resultados do que a do Brasil.
Não há pressão?
Não, porque nos preparamos navegar tanto em cenários muito difíceis, como pode haver, como em cenários excelentes, como o que tivemos. Os resultados financeiros dependem, às vezes, de fatores que não controlamos. A pressão que temos é não voltar a ter uma estrutura de despesas gerais e administrativas que a gente não precisa mais. A pressão é muito mais interna, para manter a empresa enxuta, ágil e atenta aos acontecimentos do mundo. Ou seja, é uma pressão que quem nós mesmos geramos. Isso faz parte da nossa cultura e vamos continuar evoluindo assim. Uma mudança importante no último ano é que, pela primeira vez na história, a operação nos Estados Unidos passou a gerar mais resultados do que a do Brasil. Embora estejamos vivendo um momento, aqui no Brasil, com um pouco mais de dificuldade, tem tudo para os EUA, neste ano, repetir os dois últimos anos. Então, para nós lá tem sido um excelente início de ano.
Seria mais pela demanda de projetos de infraestrutura, já que segue nos EUA segue o debate sobre recessão ou forte desaceleração?
A economia norte-americana continua muito resiliente. Os indicadores são muito sólidos, como a taxa de criação de novas vagas, o nível de desemprego. Existe preocupação sobre o futuro, mas estamos otimistas porque existem vários incentivos do governo dos EUA que vão aumentar a demanda de aço no futuro. Tem o pacote de infraestrutura já aprovado, tem incentivos para trazer capacidade produtiva, especialmente da Ásia, de volta à América, nos movimentos de nearshoring (produção próxima) e reshoring (retomada de produção doméstica). Isso já está trazendo demanda concreta para nós no dia a dia. O Inflation Reduction Act é um incentivo grande para energias limpas nos próximos 10 anos.
Pela nossa carteira de pedidos, constatamos que clientes estão construindo novas fábricas nos EUA para gerar essa capacidade produtiva.
Esses movimentos de deslocamento de produção já são bem visíveis nos EUA?
É mais ou menos assim, existe incentivo do governo americano para que se consuma aço produzido localmente, o que nos favorece.
É um incentivo tributário?
É um incentivo do ponto de vista de aplicar impostos sobre aço importado. Para nós, esses movimentos de retomar produção doméstica ou levar capacidade produtiva a países amigos, como Canadá e México já fazem efeito. Olhamos com atenção a qualidade dos pedidos que estão entrando. Pela nossa carteira de pedidos, constatamos que clientes estão construindo novas fábricas nos Estados Unidos para gerar essa capacidade produtiva. Um exemplo é a produção de chips, os componentes eletrônicos que criaram toda essa confusão nos últimos anos, afetando muito o mercado automobilístico, com menor produção de veículos por falta de sensores. Isso gerou um incentivo do governo federal muito forte. Há 30 novas fábricas sendo construídas nos Estados Unidos para poder produzir localmente esses componentes eletrônicos. Quando olhamos a nossa carteira de pedidos, a gente vê aço sendo entregue para produzir essas novas fábricas.
Trinta projetos?
Sim, e só no que diz respeito a componentes eletrônicos. Vai ter uma demanda de aço crescente ao longo dos próximos anos, não só nos Estados Unidos, mas no México também. Temos operações importantes no México, e que a gente produz hoje, entrega. Então, na América do Norte a demanda de aço é crescente e vai continuar assim. Houve anúncios recentes de investimentos importantes no país, como novas fábricas da Tesla e da BMW. Esse conjunto dos Estados Unidos com México e Canadá, vai ser uma plataforma muito potente para nós no futuro.
No Brasil, muitos clientes que produziam componentes no Exterior estão desenvolvendo projetos com a gente para trazer a produção para cá.
Vocês acompanham as tentativas de atrair ao Brasil um investimento na produção de chips?
Diretamente, não. No Brasil, muitos clientes que produziam componentes de veículos no Exterior já estão desenvolvendo projetos com a gente para trazer a produção para cá. O que a gente chama de aço contido, que muitas vezes vem de fora em autopeças, já estamos vendo como trazer essas autopeças para produzir aqui. Para o segmento de aço, é benéfico que as produtoras de veículos se tornem menos dependentes de outros países. Mas esse processo não é tão acelerado no Brasil quanto é nos Estados Unidos. Vai levar alguns anos.
Depois de tanta diversificação, o que é a Gerdau hoje?
A primeira parte da resposta sobre isso é que a gente não usa mais a palavra siderúrgica, por remeter àquela imagem da Segunda Guerra, uma fábrica cheia de fumaça. Nossas plantas, como a de Charqueadas, não são só produtoras de aço, de tanta tecnologia e cuidado com limpeza e organização que temos. Então, paramos de usar esse termo. Hoje, a Gerdau é uma produtora de aço que caminha para se tornar uma agregadora serviço. Entendemos que nossos clientes têm necessidade e desejo de não consumir aço só como uma commodity, buscam uma plataforma de solução do problema. A Gerdau já vem com essa proposta há alguns anos e quer ser uma provedora de soluções para os clientes relacionados ao mundo do aço.
Para nós, ser uma empresa B é ter um atestado de que, de fato, estamos engajados em sermos protagonistas da transformação da sociedade.
A Gerdau vai ser uma empresa B?
Vai, a decisão é ir certificando um negócio por vez. Recentemente, obtivemos a certificação da Gerdau Summit, que é uma empresa brasileira focada no fornecimento de aços para energias renováveis. Certificamos também a Gerdau Siderperu, que é a nossa divisão no Peru. A Gerdau Next também vai ser certificada. O plano é que, ao longo de 2023 e 2024, possamos certificar todas as nossas operações, de tal forma que, em 2025, a Gerdau seja uma empresa B. Neste ano, vamos certificar todos os projetos dos Estados Unidos. É uma jornada de muito aprendizado. Para nós, ser uma empresa B é ter um atestado de que, de fato, estamos engajados em sermos protagonistas da transformação da sociedade. É um carimbo para mostrar que a Gerdau está comprometida em não só produzir o aço, mas resolver grandes demandas da sociedade ao longo do tempo.
O que vocês querem demonstrar e como isso se traduz na prática?
Quando a gente toma a decisão de certificar, há exame minucioso de todos os nossos processos. Desde a compra de matérias-primas, de relacionamento com fornecedores, a produção de aço e a relação com os clientes. Ou seja, analisa em detalhes como são todas as relações com os stakeholders (todos os públicos da empresa, internos e externos) e comprova questão construídas em bases sólidas e sustentáveis.
A decisão de transformar diversidade em inclusão e equidade é do líder.
Como está a jornada de inclusão de mulheres, pessoas negras e outros grupos minoritário?
É uma pena para a sociedade brasileira tenha havido um despertar tão tardio para isso. Por outro lado, vejo empresas como a Gerdau, que evolui a passos largos para ser uma empresa cada vez mais diversa e inclusiva, como incentivo para os outros negócios. Porque a questão é a seguinte: a diversidade é um fenômeno observado, gostando ou não. A decisão de transformar diversidade em inclusão e equidade é do líder. Tomamos essa decisão e caminhamos para ser uma empresa inclusiva que tenha equidade. Quando comparamos a percentagem da população feminina no Brasil, a participação das mulheres em cargos de liderança na empresa era pequena. Assumimos um compromisso público, está inclusive na remuneração variável dos novos líderes, de sair de 17% para 30% até 2025. Estamos em 25%. Isso comprova que não pode ter desculpa, não pode ter viés, não pode ter dificuldade na decisão de simplesmente fazer o que é o certo. Estamos progredindo no tema das pautas de gênero, raça, população LGBTQIA+ e pessoas com deficiência. Agora, começamos a olhar para outros grupos sub-representados, como os egressos do sistema penitenciário. São pessoas que pagaram suas dívidas com a sociedade, não sou juiz para dizer o que fizeram ou não. A partir do momento em que a justiça determina que pagaram suas penas, precisam ter dignidade, ser reintegradas, ter emprego. Isso é um problema de diversidade e inclusão e, ao mesmo tempo, um problema social. Estamos com projetos-pilotos em algumas das nossas plantas que contemplam essa parcela da população.
Vemos no Rio Grande do Sul uma plataforma que pode ir além fornecendo serviços e soluções, não só para sociedade gaúcha, mas para o Brasil.
A gente sabe que os maiores projetos da Gerdau estão em Minas Gerais, os gaúchos ficam com pouco de ciúme, mas a empresa voltou a investir no Rio Grande do Sul.
De fato. Minas Gerais é um Estado em que a mineração está até no nome (risos). É uma plataforma importante, mas o Rio Grande do Sul está nas nossas raízes, é onde tudo começou há 122 anos. É um Estado muito importante para nós, até do ponto de vista da cultura empresarial. A cultura que a gente criou e aprendeu aqui é muito relevante para tudo que a gente se tornou e para que a gente vai se tornar. O RS pode ser uma plataforma para criarmos inovação. Fizemos investimentos nas duas plantas do Estado. Temos uma planta muito relevante para o mercado automobilístico em Charqueadas. É onde a gente tem mais tecnologia embarcada, componentes importantes de veículos são produzidos com os tipos de aço fabricados nessa planta. É fundamental para nossos planos de servir a indústria automobilística brasileira que está se reinventando, está se eletrificando. Então, investimentos no Estado são fundamentais para o futuro da Gerdau. A planta de Sapucaia do Sul foi a primeira produtora de aço na história. Seguimos fazendo investimentos relevantes para modernizar essa planta para que continue sendo uma referência na produção de aços para construção civil e mercado industrial. A Riograndense é a menina dos olhos da Gerdau e a gente olha como muita admiração que foi feito aqui. Então, a gente quer tornar essa planta uma referência do ponto de vista de tecnologia e de processos para a Gerdau no mundo.
Há investimentos futuros no Rio Grande do Sul?
Na Gerdau Next, temos explorado possibilidades. Aqui, a gente encontra ambiente propício com empresários tradicionais que querem promover inovação e novos modelos de negócios. A parceria que temos com a Randon nessa nova empresa mostra que temos outros investimentos, além do aço. Temos possibilidade de realizar, no futuro, projetos de energias renováveis. Vemos no Rio Grande do Sul uma plataforma que pode ir além, fornecendo serviços e soluções, não só para sociedade gaúcha, mas para o Brasil.