Nesta semana, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva vai à China, como uma comitiva estimada em 50 empresários e 20 parlamentares. No grupo de escala chinesa, estarão integrantes do Conselho Empresarial Brasil-China, que há quase vinte anos - completados em 2024 - mantém unidades no Rio de Janeiro e em Pequim para aperfeiçoar o ambiente de comércio e investimento entre os países. Tulio Cariello, diretor de conteúdo e pesquisa da entidade, vê oportunidades na atração de investimentos, especialmente de infraestrutura e dá uma dica para quem quer fazer "negócios da China": atenção para a classe média ascendente do país.
Em que momento da China ocorre a visita de Lula?
A China muda muito, a de hoje é bem diferente da de cinco anos atrás. Este momento é de consolidação do poder de Xi Jinping, confirmado para um terceiro mandato, o que é inédito na política recente. O país também passou por dificuldades nos últimos dois anos, com a pandemia. Só no final de 2022 começou a afrouxar o controle. Outra característica atual da China é o envelhecimento rápido. As décadas da política do filho único, adotada diante da preocupação com a explosão demográfica, deixaram marcas. A regra já foi abolida, mas permanece a cultura de poucos filhos. É também difícil fazer com que a população gaste mais. O país ainda passa por uma crise no setor imobiliário, que tem muitas ligações com todos os outros. O governo chinês está muito focado na autossuficiência, seja em tecnologia, recursos minerais, energia e produtos agrícolas.
Não é bom para o Brasil.
É um desafio grande no longo prazo para o comércio dos dois países. Essa conversa de que a China depende do Brasil para se alimentar não é bem assim. Não só tem muitos outros fornecedores mas também o país é um dos maiores produtores do mundo em carnes, por exemplo. Já são praticamente autossuficientes em carnes. Eles querem ter mais produção de grãos e são plenamente capazes de fazer.
A autossuficiência em carnes têm relação com o consumo ainda baixo?
Tem, mas à medida que a população enriquece, aumenta o consumo de proteína animal. E a busca de autossuficiência é constante, com muita tecnologia. A peste suína africana foi muito grave em toda a Ásia, mas já estão conseguindo se recuperar.
É curioso que os dois presidentes em terceiro mandato (o de Xi, de forma ininterrupta) estejam à frente de seus países e do mundo em situações mais desafiadoras.
O momento geopolítico é delicado?
Essa disputa com os Estados Unidos se tornou entre o chamado Ocidente e a China, porque envolve Europa, Austrália e Japão. Apesar de um ficar na Oceania e outro no extremo leste da Ásia, ambos são muito alinhados aos EUA. A China tenta se colocar como país de diálogo, que busca soluções em mecanismos multilaterais. A grande preocupação dos EUA e potencias ocidentais é a questão tecnológica. A China realmente tem grandes avanços nessa área, que envolve a questão militar, mas sempre declara que não quer ser potência hegemônica como os EUA, mas uma potência pacífica. A grande preocupação da China é evitar o excesso de influência americana na Ásia. É curioso que os dois presidentes em terceiro mandato (o de Xi, de forma ininterrupta) estejam à frente de seus países e do mundo em situações mais desafiadoras.
No meio empresarial, fala-se muito em retirar produção da China, isso está ocorrendo?
De fato existe, mas não preocupa muito a China. Muitas empresas americanas e europeias estão migrando seu chão de fábrica para outros países do Sudeste Asiático que oferecem condições mais interessantes, ao mesmo tempo em que os salários aumentam na China. Vai continuar a ser chão de fábricas de muitas empresas. Mas é um desejo de Xi Jinping ter mais foco no "designed in China" do que no "made in China". Esse é um movimento que não tem retorno. A China já está no topo da tecnologia em máquinas, equipamentos e telecom, por exemplo (é só lembrar o rumoroso caso da Huawei).
Essa é a tática correta, ter equidistância pragmática nas relações com China e EUA.
A tese de que, ao se aproximar da China, o Brasil quer pressionar os EUA tem sentido?
De certa forma, sim. Essa é a tática correta, ter equidistância pragmática nas relações com China e EUA. Os EUA foram um dos primeiros países visitados, depois da Argentina. O vizinho, o parceiro tradicional e o maior parceiro comercial, o que é irreversível. Na medida em que o governo não demonstra preferência, aumenta o interesse dos dois lados, que acabam cortejando o Brasil. Claro, depende do que for anunciado.
Quais são os potenciais negócios e parcerias que podem ser anunciados?
Essa viagem tem significado mais político. O primeiro ponto da agenda é recomeçar as relações com a China com pé direito. Nos últimos quatro anos, foi complicado, houve certo abandono dessa prioridade por parte de alguns setores do governo. Não no agrícola, que fez progresso significativo, mesmo com Bolsonaro e seu círculo mais íntimo sendo anti-China. O importante é a mensagem que agora o Brasil busca proximidade, e a China é prioridade. Os dois países têm agendas em comum. A principal é a preocupação com ambiente e sustentabilidade. A China é um dos maiores poluidores, mas um dos países que mais têm investido para reverter a emissão de gases e recuperar solo e águas. Anúncios potenciais podem ser na área de atração de investimento e também há expectativa sobre projetos de infraestrutura, até porque o Brasil é carente nessa área.
Isso pode até ajudar a colocar a China como ponto convergente entre a base aliada e a oposição. Há grande interesse do setor agrícola, que nem sempre é aliado de Lula.
Existe expectativa de façam algo por uma trégua da Rússia, como sócios do Brics?
A China tem interesse em ser um país de reconciliação, acabou de fazer isso entre Irã e Arábia Saudita. E Lula já se colocou à disposição para atuar nesse tema. É um viés de diplomacia presidencial, que não existiu no governo anterior. Dilma também não tinha esse perfil. Mas é difícil que o Brics tenha papel de pacificação. São países com interesses muito diferentes.
Há potencias saias-justas, como a questão de Taiwan, um centro exportador de chips?
A principal sempre vai ser a relação com os EUA. O Brasil condenou a posição russa de forma relutante, e a China tem sido discreta. Na questão de Taiwan, o Brasil deve optar por manter distância. A questão comercial não deve ser um problema de forma geral. Taiwan faz comércio com o mundo inteiro.
O tamanho da comitiva brasileira é adequado para a escala chinesa?
A quantidade de participantes reforça a importância da visita. Vão muitos empresários, muitos dos nossos associados, muitos parlamentares foram convidados. Isso pode até ajudar a colocar a China como ponto convergente entre a base aliada e a oposição. Há grande interesse do setor agrícola, que nem sempre é aliado de Lula. Nosso comércio com a China é muito diversificado, há setores que sofrem com a concorrência e, em alguma medida, precisam de medidas protecionistas, e outros que dependem de insumos chineses, logo querem que entrem sem barreira e baratos.
O Brasil pode explorar um mercado de nicho, da classe média ascendente chinesa, com moda, cosméticos, saúde.
É difícil mediar esses interesses?
A relação de comércio não deve ter o governo como protagonista. É papel das empresas. O governo pode ser facilitador, catalisador. E as empresas brasileiras têm de entender melhor o papel da China hoje. A relação está muito positiva para o Brasil. Poucos países têm superávit comercial grande com a China. É bem raro. Temos um eterno desafio, que é aumentar o valor agregado da nossa pauta de exportação, deve ser um tema da pauta. Não depende só do governo, mas do empresariado. É claro que é um país de oportunidades e que tudo vende lá. Por isso mesmo, tem concorrência do mundo inteiro. O Brasil pode explorar um mercado de nicho, da classe média ascendente chinesa, com moda, cosméticos, saúde. Um caso de sucesso que conhecemos é o de um produto de mel premium que conseguiu vender na China. É um bom exemplo de vender produjto mais voltado para essa classe média ascendente, o que chamamos de produtos high-end.