Havia expectativa de que o assunto do acordo entre Uruguai e China - e como isso impacta o Mercosul - estivesse na pauta da reunião desta quarta-feira (25) entre o presidente Luiz Inácio Lula da Silva e seu colega uruguaio Luis Lacalle Pou, mas não que o assunto evoluísse a ponto de um "anúncio" de análise de um eventual acordo Mercosul-China.
Até a ideia de "cronograma" dada pelo presidente brasileiro sugere mais um sonho de um dia de verão do que um plano efetivo de alcançar um acordo de livre-comércio.
Primeiro, disse Lula, é preciso fechar o acordo com a União Europeia, que já acumula 24 anos de negociações e segue empacado. Depois, prosseguiu, será preciso discutir, dentro do Mercosul, o que se deseja do bloco. Era uma resposta à pressão de Lacalle Pou, que quer um bloco mais flexível (hoje, acordos de livre-comércio só podem ser discutidos em conjunto), mais moderno (muitas regras dos anos 1990 ainda não fora revistas) e mais "aberto ao mundo" (com mais acordos com terceiros países).
A possibilidade de avanço real de um eventual entre China e Mercosul é vista com muito ceticismo por especialistas no gigante asiático e em comércio exterior. Primeiro, porque o Mercosul tem assuntos internos para resolver antes de avançar num tema tão complexo envolvendo a China, concorrente de setores industriais do Brasil. Segundo, porque há barreiras políticas que envolvem o Paraguai.
— O Uruguai está buscando uma saída honrosa. No passado, quando tomou decisão de fazer acordo com a China, imaginou que iria todo mundo atrás para obter benefícios, mas na verdade ninguém acompanhou. Agora, está isolado e não tem como obter muitos benefícios. Para aumentar a exportação, teria de aumentar a produção. Sozinho, seria engolido pela China. Se acha que falta liberdade no Mercosul, em um tratado com a China teria menos ainda — avalia o presidente da Associação de Comércio Exterior do Brasil (AEB), José Augusto de Castro.
Para Renato Baumann, técnico do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) - uma referência no tema até para especialistas -, pondera que a maior dificuldade para negociar um acordo entre China e Mercosul é o Paraguai, que reconhece e tem negócios significativos com Taiwan - o que os chineses não admitem.
— O Uruguai, como a Nova Zelândia, abriu mão de ter um setor industrial. A base da economia é a pecuária e serviços. Para os demais países, seria um acordo mais difícil de negociar. Mas uma posição simpática em relação à China dá acesso a recursos, investimentos, mesmo que não tenha uma grande produção para exportar.
A coluna perguntou a Baumann se uma eventual negociação entre Mercosul e China levaria mais de 20 anos, a exemplo da travada com a União Europeia, ele negou:
— Acordos com Estados Unidos e União Europeia têm modelos rígidos, com a mesma estrutura para todos. A China é mais pragmática: cada um é diferente do outro, e respeitam muito as idiossincrasias nacionais. Se houver decisão de negociar, poderia fazer com geometria variável, os três países começam a adotar algum tipo de medida e o Paraguai ganha prazo de 10 ou 15 anos. Mas acho que essa fruta ainda não está madura. Não está dada a decisão política de fazer isso hoje.