Um dos grandes problemas econômicos provocados pela pandemia foi a desestruturação das cadeias produtivas. O elo mais atingido e com mais reflexos foi o de semicondutores — denominação apropriada dos materiais que compõem os também chamados chips ou circuitos integrados. A falta desses minúsculos componentes travou a poderosa indústria automotiva e espalhou incerteza mundo afora. Quando começava a surgir expectativa de melhora, a Ômicron determinou paradas na produção em cidades chinesas que fornecem esse insumo para o mundo. Até por isso, começa uma mobilização no Brasil para fortalecer uma indústria mais forte nesse segmento, diz nesta entrevista o presidente da Associação Brasileira de Indústrias de Semicondutores, Rogério Nunes.
Para quando se pode falar em normalização no abastecimento de semicondutores?
É muito crítico falar em normalização. Esperava-se não a normalização, mas alguma melhora, no final de 2021, e parece que 2021 não acabou. As condições não só não melhoraram, como pioraram. Em Xian, onde se concentra o segmento na China, empresas como a Micron e a Samsung passaram a trabalhar com turnos reduzidos com a Ômicron.Isso já impactou as previsões que vínhamos fazendo. Havia expectativa de estabilização de preços, agora se identifica possível inflexão. Os preços não vão se estabilizar, nem cair, talvez comecem a subir. Houve redução de 5% na venda mundial de celulares e de 9% no Brasil por redução de oferta ocasionada por falta de chips.
O ciclo aparentemente mais rápido da Ômicron pode permitir retorno mais veloz?
Sobre pandemia nem me atrevo a falar. Não dá para saber o quanto poderá se agravar ou atenuar. O que podemos ver é um investimento pesado no setor de semicondutores, maior do que vinha acontecendo antes da pandemia. Ainda assim, não é suficiente para cobrir a expansão da demanda. O mundo mudou, aumentou muito o consumo tecnológico, não só empresarial, para a indústria 4.0, mas de forma individual. E as novas tecnologias demandam semicondutores mais sofisticados, não os de cinco, 10 anos atrás. Isso provocou escassez e aumento de preço.
Uma das dificuldades é a aquisição de equipamentos para produzir chips. Comprávamos para receberem em quatro ou cinco meses, hoje leva 13 meses para ficar pronto.
Esse investimento pode chegar ao Brasil?
Estamos felizes com a sanção do Padis (Programa de Apoio ao Desenvolvimento Tecnológico da Indústria de Semicondutores), que prorrogou incentivos por mais cinco anos. É pouco tempo para fazermos os investimentos pesadíssimos necessários, porque demora alguns anos para dar resultado, especialmente hoje, nesse momento de pandemia. Uma das dificuldades é a aquisição de equipamentos para produzir chips. Comprávamos para receber em quatro ou cinco meses, hoje leva 13 meses para ficar pronto. Não falta só o produto final, mas equipamentos para produzi-los. Isso faz com que o aumento da oferta seja mais demorado. A aprovação do Padis é uma mensagem para continuar investindo, embora não resolva todos os problemas.
O que falta?
Um plano robusto que inclua a associação da indústria local e seus clientes, além do interesse internacional e a confiança de que o Brasil está mais sólido, em condições de produzir. Hoje a produção nacional atende entre 7% e 8% da demanda do Brasil, muito focada em chips de memória. É um mercado mundial de US$ 506 bilhões. Nossas indústrias têm tecnologia de última geração. Isso nos coloca em condições de dar o próximo passo, diversificar além da memória, tornar esse segmento competitivo e atrativo para ter fábricas exportando a partir do Brasil. O incentivo do Padis é só para venda local, então temos zero exportação.
Tenho história no setor, meu primeiro emprego já foi em uma empresa de semicondutores, e é a primeira vez na vida que vejo os dois lados (fabricantes e clientes) trabalhando juntos.
O que está sendo feito de concreto para atrair parceiros internacionais?
A renovação do Padis foi um passo fundamental, porque havia uma incógnita até a sanção da lei. Mas não é bala de prata. É um ponto nevrálgico para que se possa debruçar sobre o grupo de trabalho em semicondutores que envolve, além da Abisemi, outras associações, como Anfavea (montadoras), Abinee (equipamentos eletrônicos), Sindipeças (componentes para veículos). Tenho história no setor, meu primeiro emprego já foi em uma empresa de semicondutores, e é a primeira vez na vida que vejo os dois lados (fabricantes e compradores) trabalhando juntos. Também há técnicos e executivos do governo envolvidos na criação das condições para implementar um plano, gente da Economia, da Ciência e Tecnologia, de financiadores, como BNDES e Finep, da academia. Já temos um rascunho de um plano de cinco a 10 anos. O desafio é enorme, porque a maioria das questões passa por crédito, investimentos, parcerias nacionais e internacionais. E pelo custo Brasil, a forma como o Brasil se relaciona com empresas. Em Taiwan, há grande número de fabricantes, em regiões diferentes, todas importam e exportam sem aspectos tributários envolvidos. Precisamos de algo parecido no Brasil, precisamos ter uma empresa que exporte US$ 5 bilhões para o mundo. Temos de garantir abastecimento de água e energia, que tem custo impactante no segmento. Existem empresas envolvidas que têm interesse a colocar isso em prática, mas é um grande desafio.
Como a Abisemi vê a extinção de uma estatal do setor, a Ceitec, nesse cenário?
A forma como foi instituída, como empresa de governo, criou uma situação complexa. Infelizmente, não se encontrou uma solução. A Abisemi fez contribuições ao debate, produziu documentos por dois ou três anos, porque acreditávamos que poderia haver saída. Mas a aprovação do Padis cria condição até melhor para que alguém possa olhar os ativos e fazer investimentos. Sem isso, seria quase impossível. Revive a possibilidade, embora não garanta que vão surgir interessados. A Ceitec era associada à Abisemi, deixou de ser no processo de extinção. A tecnologia que usa, de wafer (disco de silício do qual são extraídas as bases do chip), não é complementar à indústria nacional, nenhuma outra executa os processos que a Ceitec executa, o que gera dificuldades.