Uma das várias ações judiciais que já cercam o episódio das "inconsistências" de R$ 20 bilhões da Americanas é do Instituto Brasileiro de Cidadania (Ibraci), representado por seu diretor jurídico, Gabriel de Britto Silva, especializado em Direito do Consumidor. O processo está na 5ª Vara Empresarial do Rio de Janeiro e aponta "práticas criativas e obscuras de contabilidade, com clara maquiagem de seus balanços" . Do ponto de vista de Britto Silva, a companhia deve ser acionada não só para reparar o dano material, mas também o moral - que considera uma punição "educativa". O advogado diz que a batalha jurídica em torno do caso está só começando, e reservou mais um susto para a coluna: avalia que só se saberá se a empresa sobreviverá e se honrará seus credores e acionistas "após longos anos".
Qual o objetivo da ação?
É buscar ressarcimento para os acionistas minoritários que foram lesados e tiveram prejuízo de 77% na ação, que estava por volta de R$ 11,65 e caiu 77% só de 11 para 12 de janeiro. Representamos os titulares de ações AMER3 (há outros tipos de papéis da companhia). E buscamos reparação para o dano material e indenização pelo dano moral, que é tem objetivo educativo, para que não se repita. Caso não seja acolhido o dano moral individual, propomos a conversão para dano moral coletivo. Nesse caso, o valor não iria para os minoritários, mas para o Fundo de Direitos Difusos e Coletivos, para fomentar a salvaguarda dos direitos dos consumidores e investidores.
Por que a ação foi apresentada?
As Americanas realizaram práticas criativas e obscuras de contabilidade, com clara maquiagem de seus balanços. É evidente a ausência de transparência e de boa-fé, assim com de violação aos mais basilares princípios de governança corporativa. Essas práticas danosas podem representar ilícitos realizados por seus agentes e pela empresa, que induziram os investidores a erro.
A informação clara, precisa, adequada e suficiente sobre a saúde financeira da companhia, de forma completa, é direito do investidor.
O direito dos minoritários foi afetado?
A informação clara, precisa, adequada e suficiente sobre a saúde financeira da companhia, de forma completa, é direito do investidor, que pode ser equiparado a consumidor quando é vítima de dano, como nesse caso. A tentativa das Americanas de blindagem patrimonial e de um salvo-conduto para não pagar dívidas por período determinado, apesar de legal, mostra-se ilegítima. A Americanas não pode ser tratada como vítima. As vítimas são os credores e investidores que confiaram na empresa e não tiveram a recíproca e devida responsabilidade.
Estamos diante de uma batalha judicial?
Sim, e possivelmente sem precedentes. Já foram abertos processos administrativos sancionadores pela CVM (Comissão de Valores Mobiliários) e devem ser abertos processos administrativos pela B3, pois certamente a Americanas não pode integrar o grau máximo de governança na bolsa brasileira. Deve ser repensada até mesmo a listagem das suas ações em Bolsa. Ações individuais no Judiciário e na via arbitral, por meio da Câmara de Mercado da B3, serão crescentes, tal como as ações coletivas a serem distribuídas pelo Ministério Público, pelos Procons Estaduais e Municipais e pelas Associações de Defesa dos Acionistas Minoritários e Consumidores.
Jamais poderia se imaginar que, 2023 depois de Cristo, poderia ser possível tamanho dano social em empresa tão auditada e tão reconhecida no país, apresentando-se como a maior varejista nacional.
Qual a expectativa de resultado?
Esse fato emblemático merece punição também emblemática. Jamais poderia se imaginar que, 2023 depois de Cristo, poderia ser possível tamanho dano social em empresa tão auditada e tão reconhecida no país, apresentando-se como a maior varejista nacional. Não é possível prever o tempo para o desate de todos esses conflitos e de reparação das vítimas. Não é possível sequer saber se haverá reparação. Possivelmente, somente após longos anos saberemos se a empresa sobreviverá e se honrará seus credores e acionistas. É preciso que haja apuração sobre as demais companhias de capital aberto, no sentido de verificar com urgência se atuam ou já atuaram na mesma linha de contabilidade criativa das Americanas. É muito importante saber se é um caso isolado ou não.