Durante reunião com sindicalistas no Palácio do Planalto nesta quarta-feira (18), o presidente Luiz Inácio Lula da Silva aumentou o tamanho do desafio - já considerável - de aprovar duas reformas tributárias no Congresso ainda neste ano.
Reiterou que, mesmo advertido pelos "economistas do PT" de que a arrecadação de Imposto de Renda de quem ganha até R$ 5 mil corresponde a 60% do total, vai insistir na isenção dessa faixa. Para não afetar a receita, avisou, os mais ricos terão de ser mais taxados.
Parece muito, mas o valor é muito próximo ao que ficaria isento caso a tabela do Imposto de Renda fosse corrigida integralmente, de R$ 4,7 mil. Então, qual é o problema? Retiraria R$ 239,3 bilhões de arrecadação do governo federal, quando a situação do orçamento não comporta mais perdas. Ou seja, se vai perder essa quantia de um lado, terá de recompor de outro. É o justo? Com certeza. Não significa que será fácil.
Em Davos, o o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, afirmou que pretende ver aprovadas mudanças em impostos sobre o consumo aprovadas ainda no primeiro semestre e, só depois, avançar para as alterações no Imposto de Renda, com meta de votação no segundo semestre. Só a primeira - a mais adiantada - exige proposta de emenda constitucional (PEC) e, portanto, votação em dois turnos com dois terços de votos favoráveis.
Reforma 1: tributação sobre o consumo
A prioritária é a mudança na cobrança sobre o consumo, que já tem duas PECs tramitando no Congresso. A 45, que avançou na Câmara, prevê a unificação de cinco tributos - entre contribuições, impostos e taxas - , embutidos na venda de qualquer produto ou serviço: PIS, Cofins, IPI, ICMS e ISS. A 110, que avançou no Senado, estabelece a substituição de nove: além dos cinco anteriores, mais IOF, Pasep, Cide e até salário-educação.
A forma de cobrança desses tributos é uma contínua fonte de questionamentos judiciais. Além disso, as 27 diferentes regras do ICMS - uma para cada unidade da federação - provocam distorções não só na arrecadação mas até na operação de empresas. Quando essa proposta começou a tramitar, um nó histórico foi desfeito: todos os secretários estaduais de Fazenda aprovaram o fim do tributo estadual.
Isso não quer dizer que não existam resistências. Da forma como está prevista, a reforma da tributação sobre o consumo alivia a carga sobre a indústria, mas eleva sobre comércio e serviços. Antes de assumir o cargo, o atual secretário especial da Reforma Tributária do Ministério da Fazenda, Bernard Appy, em entrevista à coluna, já previa a necessidade de fazer ajustes para acomodar essa situação.
Reforma 2: tributação sobre a renda
A alteração na tributação sobre a renda só deve avançar, conforme Haddad, depois que a mudança na cobrança sobre o consumo for aprovada. Nesse caso, um dos focos é a reforma do Imposto de Renda, com algum tipo de aumento na taxação dos mais ricos - como os dois candidatos defenderam na campanha eleitoral e Lula reiterou nesta quarta-feira (18). Seria uma forma de permitir alguma atualização da tabela do IR, que neste ano vai cobrar de quem ganha a partir de R$ 1,9 mil.
Nesse caso, conforme análise anterior de Appy confirmada por declarações de Haddad, a tendência deve ser oposta: em vez de aproveitar o que já tramitou no Congresso, a intenção é começar do zero. Para o atual secretário especial da Reforma, o projeto que foi aprovado na Câmara é "muito ruim".
— É melhor não aprovar nada do que aprovar do jeito que está — disse Appy à coluna.
Outro foco da reforma da tributação sobre a renda é a taxação de dividendos, que deve ser proposta. Conforme Appy, o padrão na maioria dos países desenvolvidos é ter as duas tributações, uma sobre as empresas e outra sobre dividendos. E caso avance, terá de embutir a redução da cobrança de IR sobre empresas:
— Nesse caso, a alíquota sobre a empresa é muito mais baixa do que no Brasil. Portanto, se passar a tributar dividendos sem mudar a cobrança de imposto de renda de empresas vai ter efeito muito negativo sobre a atração de investimentos para o país e, em consequência, efeito negativo sobre o crescimento de longo prazo.
Curiosidade: no início do discurso aberto no Planalto, Lula recorreu a um episódio de sua atividade como líder sindical para dar um recado. Lembrou que, depois de uma greve de fome de seis dias na prisão, queria comer um frango. O médico do presídio, porém, disse que não dava: precisava voltar a digerir com meio copo de vitamina de mamão. Esse foi o recado: nem tudo o que os sindicalistas pediram será atendido de forma rápida.