"No Brasil, até o passado é incerto" é uma frase que costuma ser repetida à exaustão, atribuída tanto ao ex-ministro da Fazenda Pedro Malan quanto ao ex-presidente do Banco Central Gustavo Loyola, ambos integrantes dos governos FHC.
Na noite de quinta-feira (1º), o país ganhou mais uma incerteza sobre o passado com a aprovação da "revisão da vida toda" pelo Superior Tribunal Federal (STF). E desta vez, é uma insegurança continental, como o Brasil: os cálculos sobre o custo variam de R$ 5,5 bilhões a R$ 360 bilhões - ambas para um período de 15 anos.
Só a diferença, de R$ 354,5 bilhões, é equivalente a 1,8 vezes o pedido original da PEC da Transição, de R$ 198 bilhões - que é anual, é bom lembrar. A comparação vale apenas para dar uma ideia da escala do número. Existem ainda outros dois extremos ainda mais afastados: o mínimo seria R$ 2,7 bilhões, e máximo chegaria a R$ 480 bilhões, mas a coluna usou os dados mais citados.
Este texto não trata da justiça da medida - permitir que os aposentados do INSS usem todo o período de contribuição para o cálculo de seu benefício, sem o corte em julho de 1994, como determinou o Plano Real, administrado por Malan e Loyola.
O problema é a falta de previsibilidade em um país - e a aparente dificuldade de fazer uma estimativa ao menos aproximada - que já lida com pendências estimadas em cerca de R$ 400 bilhões apenas para 2023. A estimativa mais alta, claro, é do governo Bolsonaro: a União estima custo em 15 ano em R$ 360 bilhões.
Associações de aposentados argumentam que foi um cálculo inflado para tentar desestimular a aprovação da revisão. Dada a falta de apreço do atual governo à ciência - onde se inclui a matemática -, é uma alegação plausível. A conta de R$ 5,5 bilhões é do grupo "Lesados pelo INSS Revisão da Vida Toda", que tem um piso ainda mais baixo, de R$ 2,7 bilhões.
A principal ponderação é de que, a essa altura, não há tantos brasileiros beneficiados pela medida: apenas aqueles que ganharam salários maiores antes de julho de 1994 do que depois da data de corte. Uma das dificuldades de fazer a estimativa vem do duplo impacto da decisão: o pagamento dos retroativos, que ainda precisa de definições sobre o formato e o aumento dos benefícios que ainda serão pagos a quem tiver direito.
Quem acredita que, como as cartas, os números não mentem jamais precisa rever seus conceitos. E lembrar que a conta nunca é "do governo", que não produz riqueza: quem paga é sempre o contribuinte.