Na sexta-feira (25), o ex-ministro da Educação Fernando Haddad, favorito para assumir o Ministério da Fazenda no futuro governo, afirmou que o fato de o presidente eleito, Luiz Inácio Lula da Silva, ser um "personagem popular e respeitado no Exterior" poderia fazer com que acordos que estão na gaveta possam "sair muito rapidamente". E citou especificamente o tratado da União Europeia com o Mercosul. O português José Manuel Fernandes, deputado no Parlamento Europeu desde 2009 e chefe da delegação de relações com o Brasil no legislativo da União Europeia, tem a mesma expectativa. Integrante permanente das comissões de orçamentos, de assuntos monetários e da delegação de relações com o Mercosul, o eurodeputado falou à coluna sobre a vitória de Luiz Inácio Lula da Silva nas eleições presidenciais e disse que é preciso reaproximar o Brasil da União Europeia e disse esperar a ratificação do acordo de livre comércio entre europeus e sul-americanos.
Qual é a sua avaliação sobre o processo eleitoral brasileiro, com vitória apertada de Luiz Inácio Lula da Silva sobre Jair Bolsonaro?
Demonstrou que o Brasil tem instituições fortes, sistema eleitoral confiável e democracia sólida. No entanto, considero que o Brasil tem de se dedicar agora à reconciliação interna, uma vez que a divisão política criou também uma grande divisão na sociedade. As palavras de união de Lula da Silva, que disse que irá governar para todos os brasileiros e não apenas para os seus eleitores, foram o primeiro passo para isso. O presidente eleito deve ter em conta que muitos dos votos que recebeu foram, antes de mais nada, motivados pelo repúdio ao seu adversário. E vice-versa. Essa consciência da existência de “votos negativos” deve servir como motivação para que se governe para todos os brasileiros e se acelere o processo de unificação da nação.
A União Europeia e o Brasil partilham valores fundamentais, como o Estado de Direito, a dignidade da pessoa humana, a democracia e a liberdade. Infelizmente, desde 2014 não é organizada nenhuma cúpula UE-Brasil, o que demonstra abrandamento no desenvolvimento da relação UE- Brasil.
Quais suas expectativas de mudança na política externa brasileira a partir de agora?
O Brasil é um país central no panorama geopolítico global, por sua dimensão, economia, população e cultura. Por isso, é fundamental a presença do Brasil nos principais fóruns mundiais, para liderar as relações internacionais pelo exemplo, aproximando-se dos países que partilham seus valores fundamentais, em detrimento de outras potências mundiais que negam, sem qualquer pudor, os valores fundacionais das nossas sociedades. A União Europeia e o Brasil partilham valores fundamentais, como o Estado de Direito, a dignidade da pessoa humana, a democracia e a liberdade. Infelizmente, desde 2014 não é organizada nenhuma cúpula UE-Brasil, o que demonstra abrandamento no desenvolvimento da relação UE- Brasil. É de extrema urgência retomar. O Brasil sempre foi parceiro da UE em setores como comércio, segurança e defesa do ambiente. A proximidade UE-Brasil, fundada em nossa parceria estratégica, é fundamental para ajudar a combater os efeitos da guerra na Ucrânia, sobretudo na questão alimentar. Este tempo é a oportunidade certa de relançar o fortalecimento das nossas relações.
Há agora mais expectativa de concluir o acordo entre União Europeia e Mercosul?
Considero que o acordo é muito necessário e benéfico para todos os envolvidos. Levou 20 anos para ser negociado, representa 25% do PIB mundial e mais de 750 milhões de pessoas, então tem de merecer mais atenção das partes envolvidas. A minha expectativa é que os governantes da União Europeia levantem as barreiras que impediram a ratificação, que eram sobretudo de caráter protecionista, e que o compromisso do lado de Brasil, Argentina, Paraguai e Uruguai se mantenha. Devemos também mencionar a hipocrisia de governantes que se recusaram a progredir na negociação e ratificação do acordo durante a presidência de Jair Bolsonaro de forma a evitar conceder-lhe capital político, vedando assim os benefícios do acordo a suas próprias populações.
O desmatamento não é só um problema da Amazônia, trata-se de um drama global e que se estende por diferentes territórios globo fora. A proteção do ambiente e da biodiversidade, a transição ecológica e a sustentabilidade são prioridades da União Europeia.
A União Europeia espera que a proteção ambiental volte a crescer no Brasil? Essa postura deve se refletir nas relações comerciais, visto que o Parlamento Europeu aprovou legislação contrária à importação de produtos com origem de áreas desmatadas?
O desmatamento não é só um problema da Amazônia, trata-se de um drama global e que se estende por diferentes territórios globo fora. A proteção do ambiente e da biodiversidade, a transição ecológica e a sustentabilidade são prioridades da União Europeia. Atingi-las é uma responsabilidade comum que todos partilhamos com as gerações futuras. No entanto, existem muitas áreas ameaçadas por todo o globo, assim como muitas violações das disposições legais aplicáveis. A Amazônia, por seus simbolismo e dimensão, deve ser fruto de colaboração e proteção. Contudo, essa postura deve se estender a todos os territórios que estejam nas mesmas circunstâncias de ameaça. O Parlamento Europeu, com sua atividade legislativa, pretende liderar, sem paternalismos, essa transição ambiental, motivando seus parceiros internacionais a seguirem o seu exemplo. Esse caminho deve ser feito sem nunca virar as costas a seus principais parceiros, como é o caso do Brasil e do povo brasileiro.
* Colaborou Mathias Boni