A coluna já explicou por que um presidente eleito não pode brigar com o mercado, por que a PEC da Transição, tal como pretendida pela equipe de transição, provoca medo de implosão da dívida e por que o presidente eleito, Luiz Inácio Lula da Silva, precisa de investidores para cumprir promessas feitas aos mais pobres.
Tudo isso posto, é preciso também explicar que foram os buracos deixados pelo governo Bolsonaro no orçamento de 2023 que legitimam uma PEC da Transição moderada. Como a coluna vem acompanhando, as chamadas "bombas fiscais" que cercam o balanço de receitas e despesas do próximo ano passam de R$ 400 bilhões.
O rombo mais clamoroso e indiscutível é a previsão de pagamento de apenas R$ 405 para os usuários do atual Auxílio Brasil, quando o próprio governo havia elevado o benefício para R$ 600 a partir de agosto de 2022. Na época, o relator-geral do Orçamento, senador Marcelo Castro (MDB-PI), havia observado que quem tinha a caneta para incluir essa despesa era o atual presidente, mas preferiu não fazer.
Não se sabe ao certo qual era o plano de Bolsonaro para cumprir suas promessas, que além de Auxílio de R$ 600 chegaram a incluir salário mínimo de R$ 1,4 mil. O que se soube é que a "quebra do piso" do salário mínimo - o estudo do Ministério da Economia para não reajustar pela inflação passada - fazia parte da estratégia. A manobra reduziria os gastos com Previdência, os maiores por categoria no orçamento.
Na segunda-feira (21), o ex-ministro da Fazenda Nélson Barbosa, que integra o grupo temático de Economia da equipe de transição, reforçou um argumento já apontado à coluna por Bráulio Borges, um estudioso das contas públicas: o orçamento de 2023 foi para o Congresso com relação entre despesas e PIB menor (17,6%) do que a efetivamente atingida neste ano (19%). Nessa conta, estão os vários furos no teto autorizados por PECs com finalidade eleitoreira.
Está difícil chegar a um acordo sobre a PEC de Transição. O pedido que chega a potenciais R$ 198 bilhões é considerado elevado demais, porque aumenta o já pesado endividamento do país. Mas como a coluna já observou, há consenso de que o orçamento deixado pelo governo Bolsonaro é inviável. Por isso, essa "herança maldita" legitima a PEC de Transição.
Agora, "só" falta definir o valor, se será dentro ou fora do teto - a alternativa feita por três economistas e encampada pelo senador Tasso Jereissati (PSDB-CE) prevê um puxadinho -, por quanto tempo e se terá compromisso com a definição de uma nova âncora fiscal. "Só". Por isso, a expectativa de um acordo ainda nesta terça-feira (22) foi substituída pela esperança de que se defina até o final desta semana.
Barbosa assegurou que uma "licença para gastar" R$ 136 bilhões a mais do que o previsto em 2023 não configuraria "expansão fiscal". Já sinalizou um novo teto. Nesta terça-feira (22), o líder do PT na Câmara, Reginaldo Lopes (MG), afirmou que R$ 105 bilhões fazem a diferença entre um país inadministrável e um viável. E Aloízio Mercadante admitiu incluir a previsão de uma âncora fiscal na PEC. Começam a aparecer os contornos do acordo.