Não se trata de reduzir a importância histórica de Margaret Thatcher, que recebeu esse epíteto em vida, mas até pelo tempo de vida pública e pelas atribulações enfrentadas, a verdadeira dama de ferro britânica foi Elizabeth II. Basta lembrar que, dois dias antes de sua morte, deu posse formal à nova primeira-ministra do Reino Unido, Liz Truss.
Foram 70 anos de reinado, superando outras duas mulheres que ocuparam o trono deixando marcas na história de seu país e do mundo, Elizabeth I e Vitória. Se não teve as glórias militares das antecessoras e assistiu ao encolhimento de seu império, conseguiu manter a monarquia, mesmo em meio a altos e baixos de popularidade. Foi um elemento de estabilidade em tempos de incerteza.
Elizabeth II foi uma rainha acidental. A família que estava na linha sucessória era a de seu tio, Edward, que abdicou por pressões que envolviam sua decisão de casar com uma mulher divorciada (em 1936) e uma suposta proximidade com nazistas. Quando assumiu, em 1952 - a coroação só ocorreu em 1953 -, seu reino passava pela recessão do pós-guerra, com racionamento de comida.
Embora não tenha se envolvido no governo, por ter papel meramente simbólico, foi o símbolo que permaneceu enquanto seu país sofria perdas: a das colônias - do ponto de vista econômico, um bom negócio, porque reduziu despesas -, a de centro industrial do planeta, a do papel da libra esterlina na regulação do sistema monetário global, da fase de maior popularidade da monarquia com a princesa Diana e até da parceria com a União Europeia.
A verdadeira dama de ferro, a rainha acidental mas longeva vai fazer falta como elemento de estabilidade em um momento em que o Reino Unido enfrenta crises múltiplas: inflação alta, agravada pela crise de abastecimento acentuada pelo Brexit, alta no custo de mão de obra pelas restrições à imigração e uma guerra na Europa que ameaça o fornecimento de energia às frias ilhas que comandou por mais de sete décadas.
Sua igual frieza, criticada especialmente por se tratar de uma mulher, priorizou a liturgia do cargo a questões pessoais. Seu legado mais reconhecido pelos britânicos é o senso de dever. A morte de Elizabeth II também pode marcar o fim da era em que o papel do governante era mais importante do que a pessoa que ocupa o cargo.