Seja qual for o eleito neste domingo ou em 30 de outubro, terá de lidar com um come-cotas de dinheiro público, o orçamento secreto. A expressão, que no início foi combatida pelo atual governo e seus aliados, agora já é citada sem aparente constrangimento pelo presidente e candidato a reeleição Jair Bolsonaro.
Se houver reeleição, a tarefa será difícil, uma vez que Bolsonaro é parte do grupo que reinventou o mecanismo oficialmente conhecido como "emendas de relator" e tem até sigla, RP9. Se não houver, não será muito mais fácil.
Primeiro, é preciso lembrar por que acabar com o orçamento secreto é tão importante. O valor previsto nas listas de receitas e despesas para 2023 é de R$ 19,4 bilhões, 8,7% acima do aprovado neste ano, que já foi escandaloso. E isso é só RP9. Ainda há R$ 11,7 bilhões para emendas individuais e R$ 7,7 bilhões para as de bancada, um total de R$ 38,8 bilhões. Como a coluna já observou, com ironia, é quase um orçamento parlamentarista.
É bom lembrar que, embora a receita total do país no próximo ano seja de R$ 5 trilhões (sim, com "t" de trem), dos quais 45% vem da arrecadação de tributos e 55% de receitas financeiras, as despesas obrigatórias absorvem 93,7% do total.
Para dar ideia do que são esses gastos, é bom citar que amortização (pagamento parcial), refinanciamento (rolagem) e juros da dívida pública absorvem quase a metade, R$ 2 trilhões. Outros R$ 859 bilhões vão para a previdência, R$ 452 bilhões para transferências constitucionais a Estados e municípios, R$ 367 bilhões para pessoal, R$ 294 bilhões para despesas gerais e R$ 247 bilhões para "controle do Poder Executivo". Lá se foram R$ 4,2 trilhões. E a lista não termina aí.
Sobram para investimentos, ao redor de R$ 100 bilhões, computadas as emendas parlamentares. Só as do orçamento secreto representam um quinto desse valor. Confrontado com o problema no mais recente debate, Bolsonaro saiu pela tangente:
— Orçamento secreto eu vetei e o Congresso derrubou o veto, eu não tenho acesso ao orçamento secreto. Esse dinheiro, R$ 18 bilhões, seria muito melhor distribuído para outras áreas do governo. Eu não sei para onde vai o dinheiro desse tal de orçamento secreto.
Lula havia comparado o orçamento secreto ao mensalão - o objetivo, afinal, é o mesmo: garantir votos para aprovar projetos do Executivo - na sabatina do Jornal Nacional, sem detalhar o que faria para mudar. À CNN, depositou todas as fichas na eleição de uma forte bancada de apoio, o que é, no mínimo, otimista:
— Política é a arte de conversar. Você vai ter que conversar e dizer que não pode haver orçamento secreto. Vai dizer que não vai permitir que o Congresso possa ser o dono do orçamento, quando tem que ser o Poder Executivo. Estamos trabalhando a ideia de eleger muitos deputados, muitos senadores, para que a gente não precise ser refém da forma como está sendo refém.
O Congresso está viciado em RP9. Uma tentativa de desintoxicação exige um plano cuidadoso e detalhado, além de muita habilidade. Nem lavar as mãos nem terceirizar a responsabilidade vai resolver.