O tal "orçamento secreto" impositivo não passou, mas nesta semana o Brasil quase virou um país parlamentarista, ao menos na parte que mais importa: a distribuição de recursos públicos, ou melhor, o dinheiro suado de cada brasileiro sequestrado sob a forma de imposto.
A aliança do presidente Jair Bolsonaro com o Centrão deu poderes excepcionais ao Congresso nos últimos anos, que agora foram ampliados com a necessidade de aprovação da PEC 15 — a das Bondades, ou dos Benefícios, ou Kamikaze, ou Eleitoral.
Nesta quinta-feira (14), em novo surto de eficiência, o Congresso aprovou em 20 minutos novo pacote de medidas que afrouxa a lei eleitoral e permite distribuição de cestas básicas, tratores, ambulâncias, máquinas agrícolas e outros equipamentos durante a campanha eleitoral. Para garantir a "boa relação com os prefeitos", autoriza a transferência de verbas já reservadas de um município a outro (vai que dê briga, não?) e torna o orçamento secreto ainda mais obscuro. Bacana, não?
O surto parlamentarista com dinheiro público começou ainda na aprovação da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO), espécie de moldura dentro da qual serão definidos os gastos públicos (aqueles que patrocinamos). Chamaram atenção da coluna dois tópicos de uma análise do economista da XP Tiago Sbardelotto, especializado em política fiscal. A primeira é a possibilidade de alteração, pelo Congresso, da meta de resultado primário.
Essa meta é importante porque, diz a teoria, o país tem de gastar menos do que arrecada (gerando superávit primário), para reduzir a dívida. Na prática, fazemos o contrário há muitos anos. Como não existe máquina de fazer dinheiro público (vem sempre dos nossos bolsos, agora ainda mais depauperados pela inflação), o buraco é preenchido com a emissão de títulos públicos, o que significa aumento na dívida pública.
Então, os parlamentares ganharam a prerrogativa de definir a estimativa de IPCA que será utilizada para definição do teto de gastos em 2023, o que sempre foi prerrogativa do Executivo. Caso o Congresso defina estimativa diferente da proposta pelo Ministério da Economia, será alterada também a meta de resultado primário para 2023. Bacana, não?
E tem alçapão no buraco: poderá voltar a ser usado outro tipo de emenda, o de comissão mista (RP8). Conforme Sbardelotto, a LDO aprovada define reserva específica para as emendas de relator igual à soma das individuais (RP6) e de bancada (RP7), o que corresponde a cerca de R$ 19 bilhões. O valor final vai depender da estimativa de inflação que corrigirá o teto de gastos, que o próprio Congresso definirá. Superbacana, não?
Esse poder extra do Congresso poderia ser uma evolução em um parlamento que de fato representasse a sociedade e refletisse suas demandas de forma responsável. E fosse, como nos sistemas parlamentaristas de países desenvolvidos, responsabilizáveis por seus atos. Nesse modelo, parlamentares podem ser "punidos" com a convocação de nova eleição a qualquer momento, com possibilidade saída dos que erraram. Mas as manobras de regras que permitiram mostram que, no Brasil de 2022, ainda estamos longe de qualquer parlamentarismo civilizado.
"Direito de resposta"
A coluna recebeu um pedido de "direito de resposta" ao texto acima do leitor Antonio Augusto d´Avila . Normalmente, direito de resposta é devido quando há alguma ofensa, conforme a lei 13.188/2015. Mas como considera o debate importante, vai publicar aqui a "resposta" do leitor:
Orçamento parlamentarista?
Apesar da boa análise no + Economia de 15/07, não houve o "quase parlamentarista". Ele (o orçamento) se tornou mais antiparlamentarista. No presidencialismo, o Congresso não pode sofrer qualquer sanção, não pode ser dissolvido (responsabilidade moral só nas catequeses). Além disso, não há separação de poderes. Pelo menos aqui, o presidente tem poderes legislativos e o STF vem exercendo essa função também. Na área do orçamento público, um dos fundamentos da democracia, o Congresso também é Poder Executivo com as emendas de líderes, de relator etc., e, repita-se, sem qualquer responsabilidade, especialmente, fiscal. Em resumo, o nosso orçamento é uma mixórdia. Nos comportamos qual uma família que, em dificuldades, atribuisse ao "filhão nem-nem" de 30 anos a decisão sobre o que, quanto e onde gastar.