A subida mais forte do que a habitual do dólar no Brasil, na segunda-feira (26), teve mais componente externo do que relacionado diretamente à eleição, embora a aparente quebra da expectativa de que Henrique Meirelles fosse o "Posto Ipiranga" de Lula possa ter contribuído.
É uma situação que chama atenção em um país habituado a oscilações bruscas no mercado financeiro durante campanhas eleitorais. Nesta terça-feira (27), depois da alta de 2,5% na véspera, a moeda americana está praticamente estável, com leve recuo de 0,45%.
Boa parte dos analistas atribui a relativa calmaria à confiança de que nenhum dos candidatos mais bem posicionados nas pesquisas fará "bobagem" na economia. Mas a coluna foi buscar mais detalhes desse novo comportamento do mercado em relação às eleições com quem está mais perto desse pulso quase sempre muito nervoso.
Roberto Padovani, economista-chefe do Banco Votorantim:
"O mercado usou o tempo todo a avaliação de que, quem quer que seja o próximo presidente, não haveria descontinuidade de políticas, rupturas de regras, um pouco porque tem sido essa a nossa experiência nas últimas oito eleições. Houve transições políticas sem rupturas. Minha preocupação era mais de gestão fiscal, por conta da dívida, mas aí também prevaleceu a ideia de que não vai haver grandes modificações em relação ao governo atual. A leitura do mercado é de que nada muda na economia, independentemente da transição política. Talvez seja um sinal de amadurecimento institucional do país, ou talvez alguma miopia dos analistas em relação aos riscos efetivos. Mas o fato é que o mercado não viu como precificar um risco de ruptura e ficou guiado pelo risco externo."
André Perfeito, economista-chefe da corretora Necton:
"Nessa eleição, há dois candidatos muito conhecidos, um é o atual presidente, outro ex-presidente, que todo mundo sabe como são. Só isso já tira dúvidas do ar. Outra questão é o fato de que os preços dos ativos já estão no lugar certo, quer dizer, já estão baixos. A bolsa brasileira está em patamar baixo, o juro está alto. Isso tudo faz com que haja espaço mais para cima do que para baixo. Essa combinação de candidatos conhecidos com preços já adequados evita que haja ruídos a mais. Só que isso está no meio de uma situação em que há muita dúvida lá fora também, o que mexe com o humor dos investidores."
Alex Agostini, economista-chefe da Austin Rating:
De fato, a gente esperava que, quando estivesse mais próximo das eleições, com as pesquisas mais definidas, houvesse mais mexidas no mercado, em particular no câmbio. Mas fatores extra-política, como a guerra entre Rússia e Ucrânia, inflação e juro na Europa e nos Estados Unidos, que estão acima do esperado e devem seguir assim até o próximo ano, acabaram se sobrepondo às questões internas. Talvez porque a questão política já esteja praticamente dada. O candidato de esquerda declara que não deve cumprir teto de gastos, que vai rever questão de gastos e aumentar o papel do Estado, e o de direita diz que vai manter o liberalismo econômico, que é mais para inglês ver. Mas há menos ruído político no campo econômico do que eu esperava."
Mercado & eleições na história*
2002: há exatas duas décadas, Luiz Inácio Lula da Silva também liderava as pesquisas pela primeira vez desde que havia começado a se candidatar à Presidência, em 1989. Já no segundo turno da disputa, o dólar bateu, na época, em R$ 3,99. Corrigida pelo IPCA, equivaleria hoje a uma cotação de R$ 13,32.
2006: o escândalo do mensalão já havia estourado, mas como a média de crescimento real do PIB no primeiro mandato do Lula havia sido de 3,5%), tanto câmbio quanto risco Brasil encerraram o ano mais baixos do que no início. No ano, a bolsa acumulou alta de 30%.
2010: a popularidade de Lula permitiu eleger a sucessora, Dilma Rousseff. O dólar encerrou o ano em R$ 1,66, até abaixo do encerramento de 2010, de R$ 1,74.
2014: houve desaceleração na economia, com avanço de apenas 0,5% no PIB ante média de 2,3% do governo Dilma. O dólar foi de R$ 2,36 para R$ 2,66 ao longo do ano, e o Risco Brasil fechou o ano em patamar (200 pontos) próximo do ano anterior (193 pontos). O mercado claramente apostou contra a reeleição, reagindo bem quando pesquisas davam vantagem de Aécio Neves (PSDB) e mal quando apontavam fortalecimento de Dilma.
2018: um impeachment depois, houve eleições atípicas desde o começo, e mais ainda depois do episódio da facada no então candidato Jair Bolsonaro. Além da alta imediata após o ataque, a bolsa sempre reagiu positivamente quando o então candidato do PSL subia nas pesquisas. O dólar foi de R$ 3,27 para R$ 3,87 ao longo do ano.
(*) Com dados do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas