No início do ano, a coluna fez uma entrevista com Christopher Garman, diretor-gerente do Eurasia Group para as Américas, uma referência na análise de cenários no Brasil. Entre as ameaças detectadas no painel Top Risks 2022, do Eurasia Group, consultoria de risco político e de negócios fundada em 1998 por Ian Bremmer, apareceram a política de covid zero na China e a escalada na tensão com a Rússia. E também um ponto que afeta diretamente as empresas, a cultura do cancelamento. Na época, Garman disse que, nesses casos, a Eurasia identificava, com clientes, "temas duradouros sobre os quais vale a pena se posicionar, e outros sobre os quais talvez seja melhor pensar duas vezes". No final do primeiro semestre, a coluna voltou a falar com Garman para atualizar o cenário de riscos e perguntar como vê o boicote de empresas a ministros do Supremo Tribunal Federal (STF).
Os riscos cresceram entre o início e a metade do ano?
No caso da guerra na Ucrânia, sim. Isso aparecia no nosso painel em quinto lugar, talvez tenhamos subestimado esse risco. Houve uma exacerbação desse conflito, sem qualquer saída diplomática. A escalada segue em situação que chamamos de 'impasse instável'. Devemos pagar o preço de um ambiente global de preço de combustíveis mais elevados. E dadas as repercussões dessa crise, as relações entre Estados Unidos e China ficaram mais tensas. A sequência de sanções dos bancos centrais à Rússia é um sinal de alerta para a China. Se o ocidente congelou as reservas da Rússia, poderiam fazer o mesmo com a China?Os chineses saem da crise com certa lição de reduzir seus interesses nos EUA e na Europa.
Os estragos da política covid zero da China se confirmaram?
O crescimento da China será próximo de 3% neste ano. Com a política de covid zero, o país controla uma cidade, pipoca o contágio em outra. Não tem saída, é um desafio. E o governo chinês não vai mudar essa política ao menos até outubro, quando ocorre o congresso popular. Essa bomba só será desarmada, se for, em 2023.
Outro risco apontado era o chamado "corporações e guerras culturais". No Rio Grande do Sul, empresas boicotaram eventos com a presença de ministros do STF. Assumiram esse risco?
Estamos vendo esse risco cada vez mais. No Brasil, diria que é exacerbado pela eleição. O perfil de apoio é muito diferente. Lula está muito concentrado na população com renda de até dois salários mínimos, que é 47% da população. Bolsonaro concentra apoio em segmento de renda e educação mais elevado. Em certas regiões, como o Sul e o Centro-Oeste, as empresas querem mitigar riscos de estar associados a líderes que se opõem ao presidente. Aí surge esse boicote ao Supremo, que é fascinante.
Ao serem agressivos na defesa do que enxergam como ataque, entram demasiadamente no campo político, dando munição para a base de apoio ao governo. O que é fascinante é como as instituições acabam sendo dragadas nesse ambiente polarizado, enquanto outros tentam baixar a temperatura.
Fascinante em que sentido?
O fato de atingir um evento com presença de um ministro do Supremo. Parte do setor privado e do eleitorado bolsonarista enxergam ministros do Supremo como oposição ao governo. E ministros do Supremo prestam um desserviço da maneira como se conduzem e dão declarações públicas. Ao serem agressivos na defesa do que enxergam como ataque, entram demasiadamente no campo político, dando munição para a base de apoio ao governo. O que é fascinante é como as instituições acabam sendo dragadas nesse ambiente polarizado, enquanto outros tentam baixar a temperatura.
Depois desses episódios no Estado, o próprio presidente foi a um jantar em homenagem um dos ministros do Supremo mais vocais, Gilmar Mendes. Não desmonta os argumentos de um "STF oposicionista"?
Cada um cumpre sua função institucional. O presidente não deve negar interlocução. Ele mantém contato, é preciso manter um mínimo grau de cordialidade e de relações. Há um grau de desconfiança enorme dos dois lados. Nesse clima, cria-se um ambiente de descrédito a instituições, como o Judiciário, a mídia. O presidente alimenta esse descrédito atacando as instituições. Ao mesmo tempo, o Supremo entrou no jogo político. Ministros do Supremo no Brasil têm se colocado em posições que geralmente ministros do Supremos não se colocam, na medida em que se sentem ameaçados pelo atual presidente. Outro exemplo foi a XP, que encomendou pesquisas a um instituto razoavelmente renomado, o Ipespe. A partir de um dado favorável a Lula, teve de reduzir a frequência de divulgação da pesquisa. De meu ponto de vista, se Lula tem mais de 40% das intenções de voto no primeiro turno e Bolsonaro tem menos, qualquer pergunta sobre atributo dará a Lula pontuação mais elevada. Então, é razoável que no quesito honestidade, Lula saia à frente de Bolsonaro. Mas houve reação negativa, e a XP, preocupada em perder clientes, teve de reduzir as publicações da pesquisa para não ser visto como instituição pró-Lula e mitigar o risco reputacional.
O resumo dos principais riscos globais, segundo o Eurasia Group
1. Não há risco zero em covid
O sucesso inicial da China na política de zero-covid e o envolvimento pessoal do presidente Xi Jinping nessa estratégia torna impossível uma mudança de curso, que pode ter custo alto.
2. Mundo technopolar
O mundo físico está uma bagunça porque nenhum país quer ou consegue se impor como liderança global e o espaço digital tem governança ainda mais frágil.
3. Eleições congressuais nos EUA
O voto neste ano não deve provocar uma crise, mas representa um ponto de inflexão histórico.
4. China em casa
As políticas de Xi Jinping elevam o risco de estagnação em um momento em que a economia chinesa enfrenta problemas.
5. Rússia
Se Putin não obtiver concessões dos EUA e do mundo ocidental, é provável que aja e deflagre uma crise internacional.
6. Irã
O governo Biden não se preparou para a possibilidade que que o governo de Teerã não esteja interessado em retomar o acordo nuclear.
7. Na energia verde, dois passos à frente, um atrás
A transição energética já está ocorrendo, e não será suave.
8. Países abandonados
Ninguém quer preencher o vácuo de poder global e muitos países e regiões vão sofrer as consequências.
9. Corporações e as guerra culturais
Empresas vão gastar mais tempo e dinheiro para avaliar posicionamento em temas como ambiente, questões sociais, política e cultura.
10. Turquia
A política externa de Erdogan seguirá ameaçadora para distrair eleitores da crise econômica interna.