Os cortes no orçamento de 2022, mesmo inflado por furo no teto e calote nos precatórios, expõem o Custo Centrão, ou o preço de manter o presidente Jair Bolsonaro em seu cargo.
A aproximação do candidato "outsider" da força política mais identificada com os males do Brasil — clientelismo, patrimonialismo, capitalismo de compadrio —, que havia contribuído para a primeira debandada relevante do governo, acentuou-se depois do 7 de Setembro, quando o mandato de Bolsonaro virou refém do grupo.
A expressão acima, que menciona o mandato como refém do Centrão, não é da coluna. Foi ouvida de um interlocutor de muitos integrantes do governo Bolsonaro, que a menciona apenas com a garantia de que seu nome não será exposto. A execução do orçamento é a maior ferramenta da política pública, que define para onde vão os recursos retirados compulsoriamente da renda de seus cidadãos por meio dos impostos.
Depois de carimbar um recorde em pagamento de emendas parlamentares em 2021, R$ 25,1 bilhões, pouco abaixo da reserva de R$ 34,7 bilhões para o Bolsa Família — o programa de atendimento aos supostamente prioritários "paupérrimos" —, Bolsonaro aumenta a aposta nos que o cacifam. Quase a metade foi liberada sob a forma de "emendas de relator", o eufemismo usado para o mais adequadamente conhecido como orçamento secreto, que distribui recursos conforme o grau de fidelidade ao governo.
Nos cortes totais de R$ 3,1 bilhões, estão incluídas podas de R$ 11 milhões nos recursos para pesquisa e desenvolvimento tecnológico em saúde na Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), de R$ 40 milhões para o programa de saneamento básico rural, R$ 8,5 milhões no combate ao desmatamento.
Mas ficou lá, hígido e pleno, o fundo eleitoral de R$ 4,9 bilhões. Supondo que um governo articulado quisesse fazer afago aos aliados que o sustentam sem comprometer políticas públicas quase consensuais, bastaria um desbaste de 1,2% no fundão para evitar todos os cortes citados no parágrafo anterior.
Também escapou intacta a previsão de R$ 1,7 bilhão para o reajuste de três categorias de servidores públicos federais — policiais, policiais rodoviários e agentes penitenciários, o que eleva o risco de aditivar a renovada revolta do funcionalismo público.
O preço do resgate ao Centrão também subiu: o recorde de 2021 escalará para R$ 37 bilhões no total de emendas parlamentares. Para coroar a escalada, no alvorecer deste ano, Bolsonaro deu uma cópia da chave do ao ministro da Casa Civil, Ciro Nogueira, espécie de interventor do grupo no Planalto. A óbvia desfeita ao ministro da Economia, Paulo Guedes, que até então detinha poder absoluto sobre as despesas, provocou até uma rara crítica ao governo Bolsonaro da Federação das Indústrias do Estado (Fiergs).
A maioria tem bom memória sobre a campanha de 2018, mas não custa lembrar: Bolsonaro se elegeu para derrubar a "velha política". Não precisa dizer mais.