No ano em que consolidou a entrada do Centrão no governo, entregando a Casa Civil a um representante do grupo, o presidente Jair Bolsonaro pagou um volume recorde de emendas parlamentares. Foram R$ 25,1 bilhões que saíram dos cofres públicos em 2021 para serem aplicados em redutos eleitorais de deputados e senadores. Mesmo com a correção da inflação, o número representa um aumento de R$ 1,4 bilhão em relação ao ano anterior.
A cifra foi turbinada pelo orçamento secreto, esquema de "toma lá, dá cá" revelado pelo Estadão em maio, em que o Palácio do Planalto direciona dinheiro aos congressistas em troca de apoio em votações de seu interesse no Legislativo. A prática foi considerada irregular no mês passado pelo Supremo Tribunal Federal (STF), que condenou o uso político dos recursos.
Os números mostram como o Congresso ampliou seu controle sobre o orçamento da União ao longo dos anos. O processo começou antes de Bolsonaro, mas acelerou muito durante o governo atual. Os R$ 25,1 bilhões efetivamente pagos em 2021 representam três quartos dos R$ 33,4 bilhões que foram empenhados (quando o dinheiro é reservado no orçamento), índice acima de anos anteriores, segundo os dados do Siga Brasil, sistema do Senado que permite acompanhar a execução do orçamento federal.
Em 2022, quando boa parte dos parlamentares vão disputar as eleições, o valor previsto é ainda maior, de R$ 37 bilhões. E, para não correr o risco de esse dinheiro ser represado, Bolsonaro assinou um decreto no último dia 13 tirando do Ministério da Economia e dando à Casa Civil a palavra final sobre a gestão orçamentária. Na prática, caberá ao ministro Ciro Nogueira, manda-chuva do Progressistas, o maior partido do Centrão, liberar os recursos.
As emendas são indicações feitas por parlamentares de como o Executivo deve gastar parte do dinheiro do orçamento. Elas incluem desde obras de infraestrutura, como a construção de uma ponte, por exemplo, até valores destinados a programas de saúde e educação. Como mostrou o Estadão, contudo, o dinheiro foi utilizado nos últimos anos também para comprar tratores com sobrepreço, o chamado "tratoraço", e integrantes do próprio governo admitem que há corrupção envolvendo a liberação desses recursos.
Apesar de ter sido eleito com o discurso de que não praticaria o "toma lá, da cá" — liberação de verbas em troca de apoio parlamentar —, os números também mostram que no ano passado Bolsonaro usou a prática comum na política brasileira: acelerou a liberação de dinheiro quando precisou de apoio dos parlamentares.
O caso mais evidente foi na votação da PEC dos Precatórios, que abriu caminho para criar o Auxílio Brasil, programa social que o presidente vai usar como bandeira eleitoral para tentar se reeleger. Na véspera da votação, em novembro, o governo destinou R$ 1,2 bilhão dos cofres públicos para atender aos interesses dos congressistas. O valor oferecido por interlocutores do Palácio do Planalto pelo voto de cada parlamentar, como admitiram na época ao Estadão ao menos dois deputados, foi de até R$ 15 milhões.
Além disso, o governo priorizou aliados até na hora de liberar as chamadas emendas individuais, aquelas previstas na Constituição e que garantem a mesma quantia para todos os congressistas. Parlamentares de partidos do Centrão como PL — ao qual Bolsonaro se filiou —, Republicanos e Progressistas tiveram cerca de 70% dos valores destinados a eles pagos no ano passado. Em contrapartida, legendas de oposição e mais críticas ficaram para trás. PCdoB (44%), Novo (34%) e PSOL (31%) foram os que menos tiveram recursos liberados em relação ao total aprovado. PT, DEM e PSL aparecem no meio do caminho.
Aliados atribuem o resultado ao caráter dos recursos que apresentaram. Parlamentares da base argumentaram que usam as emendas para irrigar programas capitaneados pelos próprios ministérios, o que agiliza o pagamento. Além disso, os governistas foram os que mais indicaram recursos pelas transferências especiais, apelidadas de "emenda cheque em branco" e "PIX orçamentário", modalidade em que o dinheiro cai diretamente na conta das prefeituras, sem passar pelos ministérios. O mecanismo é mais uma forma nebulosa de deputados e senadores enviarem recursos públicos para suas bases eleitorais com pouca transparência e sem fiscalização federal.
— Existe essa história de que, por ser da base, o cabra é mais favorecido. Deveria ser, mas o que eu ouço nos corredores é que às vezes os da oposição tiveram até mais. Os ministérios atendem todo mundo, não consigo ver essa distorção toda — afirmou o deputado governista Vaidon Oliveira (PROS-CE), que em três meses conseguiu empenhar 99% de suas emendas, ao indicar recursos para o Ministério da Saúde e do "cheque em branco" para municípios do Ceará.
Velocidade
Com os números, é possível observar ainda que, ao longo do ano, deputados da base conseguiram recursos mais rapidamente. As emendas começaram a ser liberadas em maio, após o atraso na aprovação do orçamento. Até julho, PTB, PROS, MDB, PSD, Republicanos, PL, Progressistas e DEM formaram o grupo de deputados que mais tiveram emendas empenhadas, ou seja, liberadas no orçamento, uma fase anterior ao pagamento. Esses garantiram mais da metade dos recursos em três meses.
— Como determinados parlamentares direcionam recursos para dar continuidade a projetos durante seu mandato, esse repasse tem que ser o mais rápido possível para não criar uma paralisação — afirmou o governista Luiz Lima (PSL-RJ), que teve 95% das suas emendas pagas até julho, incluindo verbas para o Instituto Léo Moura, administrado por um aliado.
Quem ficou para trás reconhece que ser aliado ao governo facilita na hora de enviar recursos às suas bases eleitorais.
— Não me sinto perseguido, mas sei que (as liberações de emendas) não andam na velocidade que andariam se eu fosse da base — afirmou o líder do Novo na Câmara, Paulo Ganime (RJ).
No Senado, onde a base do governo é menor, também é possível ver uma diferença: parlamentares do DEM, com maioria governista, tiveram o maior volume de emendas pagas, 85%. O Podemos, crítico ao Executivo, ficou na "lanterna", com 45%.
A Secretaria de Governo afirmou que as informações descritas no levantamento da reportagem "não procedem" com o Tesouro Gerencial, sistema mantido pelo governo. As informações do Siga Brasil, porém, são oriundas da mesma base de dados. Questionada, a pasta não forneceu as informações que o Executivo dispõe.