Um nome que já gerou um ato falho do ministro da Economia, Paulo Guedes, agora virou ensaio de escândalo por suas relações com o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto. O ponto comum é André Esteves, presidente do BTG Pactual, poderoso banco de investimentos.
Ao ser pronunciado por Guedes, o nome de Esteves acabou expondo uma tentativa de substituição do próprio ministro. Agora, um áudio do banqueiro vazado no final de outubro gerou uma notícia-crime sobre suposta informação privilegiada.
O caso é complicado, então é melhor contar do começo. No dia 25 de outubro, o site Brasil 247, de oposição ao governo Bolsonaro, divulgou o áudio de uma conversa interna de Esteves em que ele relata uma consulta feita por Campos Neto sobre taxa de juro. O trecho que levou à notícia-crime é este (transcrição mantém a forma coloquial de falar):
– Achei que a gente meio que… caiu demais os juros na pandemia, para esses 2%. Eu me lembro que… tem um conceito que chama lower bound, alguns aqui já devem ter ouvido falar, que é qual a taxa de juros mínima. E eu me lembro que o juro tava assim em uns 3,5% e o Roberto me ligou para perguntar: 'Pô, André, o que você está achando disso, onde você acha que está o lower bound?'. Eu falei assim: 'Olha, Roberto, eu não sei onde que está, mas eu estou vendo pelo retrovisor, porque a gente já passou por ele. A gente… acho que em algum momento a gente se achou inglês demais e levamos esse juros para 2%, o que eu acho que é um pouquinho fora de preço. Acho que a gente não comporta ainda esse juro'.
"Lower bound", em bom português, é o limite mínimo do juro, além do qual há risco para a economia. A taxa Selic ficou em 3,5% de 6 de maio a 16 de junho deste ano. Na época, era o que o BC chama de "taxa estimulativa", ou seja, abaixo do que seria o normal para tentar fazer a economia rodar com mais rapidez. Mas a inflação já estava alta, e o mercado especulava se o BC não havia errado na calibragem.
Quando o áudio veio a público, o BC afirmou, em nota, que "como é da prática de bancos centrais e de autoridades de supervisão no mundo, os membros da diretoria colegiada do Banco Central do Brasil mantêm contatos institucionais periódicos com executivos de mercados regulados e não regulados para monitorar temas prudenciais que possam ameaçar a estabilidade do sistema financeiro e/ou para colher visões sobre a conjuntura econômica".
Parecia resolvido. Mas a Associação Brasileira de Imprensa (ABI) identificou no episódio algo a mais do que a "prática de bancos centrais" e entrou com notícia-crime no Supremo Tribunal Federal (STF) por crime de insider trading, ou uso indevido de informações privilegiadas para obtenção de lucro ou vantagem. O áudio expõe apenas uma consulta teórica. Pode ser discutível se as relações entre Campos Neto e Esteves são republicanas ou não, mas não há "arma fumegante".
Mesmo assim, ministra Rosa Weber, do STF, cumpriu sua obrigação: encaminhou a notícia-crime à Procuradoria-Geral da República (PGR), à qual cabe avaliar a necessidade de investigação. É provável que não passe de um ensaio de escândalo, mas é um constrangimento extra para o BC, que já tem de lidar com a chamada "desancoragem das expectativas", ou seja, a falta de confiança do mercado de que a instituição cumpra seu principal dever, o de controlar a inflação.
Ah, e antes que o episódio sirva para debates partidários, é bom lembrar: André Esteves é exímio em boas relações com governos, quaisquer deles. Em 2015, chegou a ser preso pela Operação Lava-Jato por suposto conluio com os governos do PT. Em janeiro, outro ministro do STF, Gilmar Mendes, encerrou dois inquéritos contra Esteves que estavam na Justiça Federal do Paraná.