É inquietante o panorama das rodovias do Estado nesta quarta-feira (8), com grupos de caminheiros parados e buscando adesão de outros.
Até agora, não há sinal de bloqueio nas estradas, mas a lembrança de maio de 2018 é inevitável, como a coluna havia destacado na terça-feira (7), quando havia ficado clara a adesão da categoria à mobilização convocada pelo presidente Jair Bolsonaro.
Será que, ao convocar os antigos parceiros, Bolsonaro não calculou o risco? Para lembrar, novamente, a greve dos caminhoneiros, também estimulada por Bolsonaro em maio de 2018, provocou prejuízos que se espalharam ao longo de meses e interrompeu a recuperação da economia que se desenhava. Fez saltar a inflação, que andava calmíssima, e provocou um desarranjo na produção semelhante ao que o mundo ainda atravessa, desta vez causado pela pandemia.
Ao comentar o tema no Sete de Setembro, a coluna expressou a expectativa de que, desta vez, o protesto não durasse mais do que poucas horas, mas observou que o envolvimento da categoria acendia o alerta de risco. A coluna errou. Na manhã desta quarta-feira (8), não há relatos oficiais de estradas interrompidas, mas quem depende de entregas para se abastecer já se inquieta.
Com a inflação nas alturas e dificuldade no abastecimento de insumos e matérias-primas, qualquer desorganização nas entregas, a essa altura, teria impacto ainda maior do que o registrado em 2018. Não há sinais de que isso tenha alta probabilidade, mas o risco existe, como demonstram as paralisações desta quarta-feira (8).
É bom lembrar que a mobilização dos caminhoneiros provocou a operação de busca e apreensão na casa do cantor Sérgio Reis e do deputado federal Otoni de Paula (PSC-RJ), autorizada pelo ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), alvo das ameaças golpistas mais explícitas feitas por Bolsonaro na véspera.
Com aumento de 23% acumulado só no primeiro semestre, o preço do diesel é a principal fonte de descontentamento dos caminhoneiros. Como aparentemente se convenceu de que não pode mudar a política de preços da Petrobras — disse até que a gasolina esta "barata" — Bolsonaro tem embalado a categoria com a cantilena de que a responsabilidade do aumento é dos governadores. As alíquotas de ICMS não mudaram entre a greve de 2018 e agora, mas como o mecanismo de transmissão dos reajustes é complexo, o discurso convence ao menos parte dos profissionais.
Bolsonaro ainda tem engatado o apoio do caminheiros com anúncios sucessivos de redução da proporção de biodiesel na mistura. No Brasil, a maior parte do biocombustível é feita de soja, que em julho teve baixa de 5,92%, conforme o Índice de Preços no Atacado (IPA) do IGP-M. Nesse cálculo, o biodiesel está como o ICMS: é um "culpado conveniente", mas não está na raiz do problema, que está no preço internacional do petróleo e na cotação do dólar que, nesta quarta-feira (8), sobe mais de 2%, para R$ 5,287 no final da manhã. Em boa parte, é resultado direto da incerteza que o presidente semeou no Sete de Setembro.
A coluna consultou o Sistema Fetransul, que informou estar "atento e monitorando" os pontos de concentração. Conforme a entidade que reúne empresas de transporte de cargas, todas estão "trabalhando normalmente".
Atualização: diante de rumores de que os caminhoneiros parados estariam "cumprindo ordens dos empresários das transportadoras", a coluna fez novo contato com Afrânio Kieling, presidente da Fetransul para checar se existe algum sinal de locaute.
— Não queremos parar de jeito nenhum — reagiu.
Segundo Kieling, o movimento, outra vez, é "muito heterogêneo" e envolve "vários segmentos, não só autônomos". Embora admita que existem alguns sinais de problemas de abastecimento, o empresário afirma que são "muito pequeninos". Kieling observa que o segmento também enfrenta as barreiras da falta de insumos e matérias-primas, porque a produção de caminhões foi prejudicada pela falta de semicondutores.
Veja a íntegra da nota da Fetransul
O Sistema Fetransul (Federação das Empresas de Logística e Transporte de Cargas no Rio Grande do Sul) esclarece que está atento e monitorando os pontos de paralisação de caminhoneiros nas rodovias do RS e de outros estados. A entidade, que representa 13 sindicatos patronais e 13 mil empresas transportadoras de cargas, com frota estimada em 280 mil caminhões, informa que as empresas continuam trabalhando normalmente. Sobre possíveis reflexos para a circulação de suas transportadoras, até o momento, só foram registrados problemas pontuais, sem gravidade.