"A gasolina tá cara? Não tá cara a gasolina, não". A frase do presidente Jair Bolsonaro na live de quinta — como ficou conhecido o contato direto que o presidente busca neste dia da semana com seus eleitores — desafia o senso comum.
Bolsonaro poderia estar se referindo ao fato de que, para estar alinhado ao preço de paridade de importação (PPI) que o mercado exige da Petrobras, o combustível deveria custar 13% mais. Seria uma justificativa discutível, mas ponderável.
Claro, não foi esse o argumento. Bolsonaro cortou a realidade em fatias e serviu apenas a que o interessa, como se os Estados não existissem e, portanto, não precisassem cobrar tributos. Tem muito imposto no preço dos combustíveis? Tem. Mas a realidade não pode ser torcida a esse ponto:
— Não tá cara a gasolina, não. Não tá R$ 6, R$ 6,50, R$ 7, não é verdade. Tá custando na refinaria, o litro da gasolina, R$ 1,95, em média. O imposto federal, na casa dos R$ 0,70, fixo desde janeiro, quando eu assumi. Então, tá na ordem de R$ 2,70 o preço da gasolina.
Quem sabe fazemos uma fila, como aquelas que costumam se formar quando um posto cobra um pouco menos, ali na frente da Refinaria Alberto Pasqualini (Refap), em Canoas, para ver se vendem gasolina por R$ 1,95? Ops, nem isso vai dar: conforme a Petrobras informou no mais recente reajuste, o preço nas suas refinarias está em R$ 2,03 (veja a informação da estatal clicando aqui). E a soma dos impostos federais chega a R$ 0,89 por litro, não R$ 0,70.
As unidades de refino só vendem gasolina pura, chamada de A, para as distribuidoras (infelizmente, não adianta fazer fila lá na frente...). A quantia usada por Bolsonaro considera a gasolina C, que é misturada com 27% de etanol, por isso baixa um pouco o valor. O presidente tenta fazer de conta que não tem nada a ver com a alta de 51% no preço cobrado nas refinarias acumulado só neste ano.
Para lembrar, a tal Paridade de Preços de Importação (PPI) foi adotada pela Petrobras em 2016, no governo Temer, para evitar que a estatal acumule prejuízo com por não repassar aumentos de produtos que compra do Exterior, tanto petróleo cru quanto derivados, como a gasolina. A forma de cálculo inclui quatro elementos: variação internacional do barril do petróleo, cotação do dólar em reais, custos de transporte e uma margem definida pela companhia, que funciona como um seguro contra perdas.
Desses, Bolsonaro tem impacto indireto na definição da margem — pode sugerir que seja menor, como está ocorrendo —, e direto na cotação do dólar em reais. Na semana em que o presidente desafiou a realidade para garantir que a gasolina está barata, a moeda americana acumulou alta de 3% até o momento da transmissão. Sim, em quatro dias úteis, subiu 3%.
O combustível da decolagem do câmbio foi a saliva presidencial gasta nas bravatas golpistas, que também abasteceu a aceleração os juros futuros e do risco Brasil. Até o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, aponta "ruídos recentes" como causa da deterioração das expectativas sobre a economia brasileira.
Bolsonaro pode fazer algo útil para baixar o preço da gasolina e de outros produtos relacionados à alta do dólar no Brasil: parar de questionar o sistema eleitoral que o levou ao cargo e governar. Problemas reais que afetam diretamente o bolso dos cidadãos não faltam: a inflação em junho foi a maior para o mês desde 2002, o país enfrenta escassez de energia, a retomada precisa, de fato, de um programa social mais robusto, sem atropelar as contas públicas. Se o dólar parar de subir por sustos de retórica, já ajuda.