O jornalista Rafael Vigna colabora com a colunista Marta Sfredo, titular deste espaço.
A Azul decola, a partir desta segunda-feira(2), novos voos ligando Porto Alegre a oito destinos no interior do Rio Grande do Sul. As operações inaugurais acontecem até a próxima quarta-feira (4) e conectam a Capital à Bagé, Alegrete, Canela, São Borja, Santa Rosa, Santa Cruz do Sul, Erechim e Vacaria. Marcelo Bento Ribeiro, diretor de Relações Institucionais da companhia aérea, afirma que, com isso, a empresa passará a operar em 15 municípios gaúchos. Trata-se da maior malha regional da Azul. E as razões estão associadas com o perfil econômico do Estado.
Como foram viabilizados os novos destinos no Estado?
A Azul já atua no Estado com aeronaves regionais, que são as ATRs. Operamos em Pelotas, Santa Maria e Uruguaiana. Em Caxias e Passo Fundo, com jatos. O que começa agora é o que chamamos de aviação sub-regional em razão do tamanho da aeronave. A diferença é que os ATRs têm 70 assentos e o Caravan, que será utilizado na nova malha, possui nove lugares. É um avião bem menor, mas os requerimentos de infraestrutura também são menores. Por isso, a operação acontece mais rapidamente em algumas cidades, onde seria preciso investimentos maiores nos aeroportos e o mercado também não comportaria. Trata-se do início deste tipo de operação no Estado. Os voos serão feitos pela Azul Conecta, que é uma subsidiária da Azul e segue os mesmos padrões de segurança. Já servíamos a seis cidades gaúchas, sete com a Capital. Agora, serão mais oito municípios com a nova operação da Azul Conecta, elevando para 15 o número de cidades gaúchas cobertas pelo Grupo. Isso torna o Rio Grande do Sul o estado com maior número de cidades servidas pela Azul.
Algumas já possuíam voos da TwoFlex (empresa de táxi aéreo adquirida pela Azul em 2020), mas, agora, serão retomadas?
Na verdade, as operações foram interrompidas antes da pandemia e antes da Azul adquirir a TwoFlex. Era outro tipo de operação, com a TwoFlex independente. Enfim, elas estavam interrompidas e trabalhamos com o governo do Estado para retomá-las. Apesar de ser o mesmo tipo de aeronave, há cidades novas como Alegrete, que não era coberta. Agora, a operação é 100% integrada com a Azul e os voos possuem conexão com os demais destinos a partir de Porto Alegre. Nós vendemos de ponta a ponta, é como se fosse uma empresa só.
Qual é o potencial da aviação regional brasileira, considerando o tamanho de mercados mais desenvolvidos como os Estados Unidos, por exemplo?
Nos Estados Unidos, a aviação regional, por menores que sejam as cidades, usualmente é integrada às companhias aéreas. Todas as empresas têm suas subsidiárias e operam comercialmente a aviação regional. Não existe divisão entre regional ou comercial. Tudo é aviação. E é muito importante essa integração. O que a gente ainda vê no Brasil, porque só a Azul tem feito diferente, são empresas regionais (caso da antiga TwoFlex) operando independentes. A aviação já é um setor difícil e de riscos financeiros para grandes empresas aérea, imagina para as de menor porte. O acesso à crédito é menor, os problemas de caixa maiores e há dificuldade de investimentos. Não existe escala para garantir custos e vendas eficientes. Em parte, os problemas registrados por décadas de aviação regional no Brasil estão ligados à falta de estrutura das empresas regionais. Estamos falando de um mercado que mesmo empresas grandes quebraram. A Azul percebeu que quando a operação regional está integrada, as coisas funcionam. Não que a nossa vida seja fácil, mas existe mais acesso à credito, mais capacidade de investimento, pessoal qualificado e uma operação de quase 140 aeronaves em que conseguimos reduzir custos e ganhar efetividade comercial, com um programa de fidelidade que reúne 3 milhões de pessoas entre outros fatores. É uma equação que envolve sustentabilidade e equilíbrio financeiro.
E o perfil econômico não entra nesta fórmula?
Sim, outra questão é que a economia norte-americana é pujante e descentralizada, mesmo que também seja um país com dimensões continentais. Ao contrário, aqui no Brasil, apesar do tamanho do território, a economia sempre foi muito centralizada. Eu diria que é um fenômeno relativamente recente no Brasil a geração de riqueza substancial no interior. Não é à toa que perseguimos os bolsões do agronegócio, de mineração, de produção de comodities e grandes obras. Se olhar o mapa da nossa malha, onde tem agronegócio pujante a gente está. Também onde há industrialização e o Rio Grande do Sul é diferente, pois a economia sempre foi mais descentralizada, sempre houve industrialização e agricultura no interior. Mesmo assim, isso teve maior impulso nas últimas décadas. Então, o país, hoje, tem a economia mais fragmentada, tem riqueza no interior e gera uma demanda por aviação regional integrada, antes, inexistente. É por isso que hoje você consegue fazer uma viagem de Alegrete a Paris. Vai ter algumas conexões, mas você chega lá (risos).
Existe um cálculo para a demanda mínima para uma operação?
O Brasil tem infraestrutura muito deficiente no interior. Muito, mesmo. E a maioria dos aeroportos foram abandonados nas últimas décadas, por falta de movimento e aviação comercial. É um desafio e por isso a opção é pelo Caravan, um avião com facilidade operacional. Às vezes, alguns mercados comportariam aviões maiores, mas a infraestrutura não permite. Em outras, é difícil conseguir viabilizar que a cidade faça investimentos em aeroportos que não têm serviços. Quando se consegue colocar um voo, é sempre uma aposta. Testamos e avaliamos como se comporta. O Caravan serve para fazer a abertura destes mercados e, uma vez dando certo, com voos cheios, é mais fácil para as prefeituras e os governos estaduais justificarem investimentos necessários. Ou seja, pode ser que em alguns lugares a consolidação da demanda venha a permitir a utilização dos ATRs e, com isso, viabilize melhorias de infraestruturas nos aeroportos. A demanda mínima é relativa, porque podem ser voos diários, ou algumas vezes na semana, depende de como o mercado responde. Para manter operação razoável com o Carvan, o ideal é algo entre seis e sete pessoas, em média, considerando que o avião comporta nove lugares. Também depende das tarifas, porque mesmo que um voo esteja cheio, ele pode dar prejuízo se as tarifas não estiverem de acordo.
A participação da aviação regional nas receitas da Azul é algo substancial? Quais são as metas?
Não fazemos distinção entre as receitas, até porque, no geral, metade dos passageiros de cada localidade faz conexões na malha da Azul. O que se pode dizer é que o regional é, sim, uma fatia importante da nossa estratégia e das receitas. Isso porque acreditamos na capilaridade, em ligar cidades a grandes hubs (centros de conexões) capazes de multiplicar os destinos possíveis. Portanto, ter um hub ligado a muitos destinos, caso de Campinas, Recife, Belo Horizonte e Porto Alegre, onde operamos, é muito relevante para a estratégia. Acreditamos que isso torna o negócio mais sustentável e menos suscetível a uma super concorrência. Por exemplo, quando se opera em Guarulhos (São Paulo), existem quatro companhias oferecendo a mesma coisa. É sempre mais complexo e difícil. Buscamos sair do "oceano vermelho" e operar em mercados exclusivos. Também porque a economia brasileira é muito fundamentada no agronegócio e na infraestrutura. Estes setores oscilam menos. Mesmo durante a pandemia, não pararam e nos ajudaram a ter mais sustentabilidade no período. Quando tinha 104 cidades atendidas, a Azul declarou que queria chegar a 200 destinos. Hoje, são cerca de 135 e ainda temos um caminho a percorrer. A Azul Conecta é parte ativa disso. Sem ela, não conseguiríamos fazer a expansão.