Se a classe média garfeada pela restrição a salários mensais de até R$ 3 mil para desconto simplificado de 20% na declaração do Imposto de Renda da Pessoa Física pode só reclamar, outro segmento atingido pela reforma do ministro da Economia, Paulo Guedes, tem provocado desgaste mensurável ao governo Bolsonaro.
Desde a sexta-feira passada (25), quando as novas regras foram entregues ao Congresso, a bolsa de valores acumula perda de 3% — nesta sexta-feira (2) há um ensaio de reação, com alta de 1% no final da manhã — e o dólar voltou ao patamar de R$ 5. A explicação uníssona é "risco político", embutido a ameaça tributária.
Para justificar a cobrança de 20% de imposto sobre dividendos, Guedes reduziu em cinco pontos percentuais, de 25% para 20%, até 2023, a alíquota sobre os ganhos das empresas. Começaram a surgir contas de que a carga tributária empresarial havia subido de 34% para até 49%. Embora até os tributaristas ponderem que é tecnicamente incorreto somar carga sobre empresa, expressa pelo IRPJ, à paga pela pessoa física, os dividendos, de alguma forma o Leão morde o mesmo bolso.
A forte pressão dos empresários fez o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL) acenar com a redução da alíquota sobre dividendos de 20% para 15%, ante pedido de corte pela metade. Até Guedes admitiu fazer alguma concessão, como trazer a queda do IRPJ para 20% já no próximo ano. Mas quando ficou claro que pequenos ajustes não satisfariam os donos do dinheiro, o ministro fincou pé e disse que quem recebe dividendos não pode reclamar por pagar 20%. E se exasperou, não sem razão:
— Não estamos nem fazendo a tabela progressiva, é só 20%. Tem trabalhador que paga 27,5%. Então pelo amor de Deus, não pode, quem recebe dividendo, reclamar de pagar 20%.
Essa fatia da reforma tributária de Guedes — que jogou no lixo projetos mais complexos porque seriam difíceis de aprovar — criou conflito e novo desgaste em um segmento ainda majoritariamente aliado, a despeito da perda de apoio na sociedade e no Legislativo. As propostas são criticadas por especialistas de correntes diversas, de Bernard Appy, fundador do Centro de Cidadania Fiscal, a Everardo Maciel, ex-secretário da Receita Federal com alta milhagem no cargo e antigo crítico da tributação sobre dividendos.
Na manhã desta sexta-feira (2), em entrevista à Rádio Gaúcha, o atual secretário da Receita, José Barroso Tostes Neto, tentou justificar as novas alíquotas de IRPJ associadas à tributação sobre dividendos:
— O que estamos fazendo é um reequilíbrio sobre as duas formas de tributar, diminuindo o imposto que incide sobre a pessoa jurídica e eliminando a isenção do dividendo que é distribuída à pessoa física. Essa isenção, ao longo desse período, provocou uma percepção de injustiça. (...) Estamos reintroduzindo a cobrança de imposto na pessoa física sobre esse dividendo recebido, que é diferente do imposto que incide sobre a empresa.
É claro que a proposta de mudanças do Imposto de Renda foi ao Congresso já com a habitual povoação de bodes — aquelas partes que podem ser retiradas e dar sensação de alívio —, mas a rejeição deve exigir do governo Bolsonaro mais cabeças caprinas do que as planejadas.