No ano da pandemia, até o impensável em economia ocorreu no setor de petróleo: contratos para entrega futura de um dos tipos dessa matéria-prima tiveram valor negativo, ou seja, em tese, o vendedor pagaria ao comprador.
Foi no auge da paralisação de transportes públicos, inclusive o aéreo.
Mais à custa de cortes na produção do que em aumento de demanda, neste os preços voltaram para o mesmo patamar de fevereiro de 2020, ao redor de US$ 55 por barril, depois de passar quase dois meses abaixo de US$ 20, como não se via há mais de uma década. Essa forte oscilação, no entanto, não foi repassada pela Petrobras aos preços na refinaria e sequer chegou perto dos postos de combustível.
Quando os caminhoneiros ameaçaram fazer uma nova greve, o governo Bolsonaro sacou uma desculpa conveniente na última sexta-feira (5): o problema é a falta de previsibilidade na cobrança de ICMS dos Estados. Acenou, é bom lembrar, com uma futura e gradativa redução do PIS/Cofins sobre os combustíveis, mas sem prazo e sem previsão da "escada" de valor do tributo que hoje custa R$ 0,35 por litro.
Com nenhum efeito prático a não ser provocar confusão, o presidente só empurrou a responsabilidade para os governos estaduais, pedindo que o ICMS seja cobrado por valor fixo ou sobre o preço de refinaria, em vez de o valor de bomba. Chegou a dizer que se fosse "juridicamente possível" – não se deu ao trabalho de verificar antes de falar no assunto? – encaminharia um projeto de lei complementar com uma dessas propostas. Tributaristas consideram a intervenção inconstitucional, porque invade a competência de outro poder.
Só no início da noite de sexta-feira os secretários estaduais construíram consenso sobre a proposta. Fizeram questão de lembrar que os "expressivos aumentos nos preços dos combustíveis ocorridos a partir de 2017" não decorrem de mudanças na tributação estadual: "foram fruto da alteração da política de gerência de preços por parte da Petrobras, que prevê reajustes baseados na paridade do mercado internacional, repassando ao preço dos combustíveis toda a instabilidade do cenário externo do setor e dos mercados financeiros internacionais".
Acolheram o argumento da falta de previsibilidade, mas ponderaram que "a volatilidade internacional do segmento (...) é comunicada sem gerenciamento ao setor produtivo (destaque da coluna)". Os secretários admitiram que essa característica "inflige ao setor produtivo uma carga de imprevisibilidade que não tem favorecido aos empreendimentos nacionais" e advertiram:
"Somente uma reforma tributária nos moldes que os estados têm defendido desde 2019 junto à Comissão Mista da Reforma Tributária no Congresso Nacional poderá reorganizar essa e outras receitas dos entes federados e decidir sobre novas formas de incidência reequilibrando o seu alcance nos setores estratégicos".
Como sem aceitação dos Estados nada vai mudar e os novos presidentes da Câmara e do Senado prometeram uma reforma tributária em até oito meses, agora é a hora. Se por um lado o governo federal terceiriza o problema, por outro os Estados se viciaram na alta e fácil arrecadação proporcionada pelos combustíveis. Está na hora de tratar a dependência dessa receita de alta octanagem.