O jornalista Leonardo Vieceli colabora com a colunista Marta Sfredo, titular deste espaço.
A busca por novo modelo de negócios, com foco em veículos de maior valor agregado, é um dos fatores que fizeram a Ford fechar fábricas no Brasil. Essa é a avaliação do gaúcho Gustavo Ene, secretário de Desenvolvimento da Indústria, Comércio, Serviços e Inovação do Ministério da Economia. Na sexta-feira (15), após visita ao polo metalmecânico da Serra, Ene conversou com a coluna sobre o fim da produção da montadora no país. Segundo ele, o governo vai priorizar a requalificação dos trabalhadores que serão demitidos — pelo menos 5 mil. Abaixo, os principais trechos da entrevista.
Como o governo pretende auxiliar a indústria após os impactos da pandemia?
O trabalho desenvolvido a partir de 2019, com a eleição do presidente Jair Bolsonaro, é de remover as amarras que impedem o crescimento, não só das indústrias, mas de todas as empresas. São medidas para desenvolvimento de negócios e ataque ao custo Brasil.
Tomamos medidas que já foram implementadas. Temos medidas em tramitação no Congresso, como BR do Mar, Lei de Concessões, marco legal do setor de energia elétrica, das ferrovias, PL do gás. Acima de todas, a reforma tributária. Teve a reforma da previdência, redução da taxa de juros, modernização do eSocial.
A reforma tributária é uma pauta defendida pelo setor produtivo. Qual é a perspectiva para esse projeto?
Sou otimista. A reforma tributária é um tema discutido há décadas. O governo fez seu papel, encaminhou uma proposta, que está nas mãos do Congresso desde o ano passado. A prioridade tem de ser dada pelos congressistas. Por isso, falo em poder de união. O Executivo tem de continuar facilitando demandas que vierem do Congresso para discussão da reforma. Os congressistas têm de acelerar os ritos e as análises.
A sociedade tem de cobrar dos congressistas essa celeridade. Aí teremos um ambiente de negócios mais fácil. Isso trará mais empregos, e a gente conseguirá avançar na redução do custo Brasil, com crescimento sustentável.
A Serra tem uma forte indústria metalmecânica, e um dos clientes é o setor automobilístico. Como a decisão da Ford pode impactar a região?
Não discutimos especificamente o caso Ford (durante a visita à região). Obviamente, a gente lamenta muito, mas compreende a decisão da empresa. A Ford está optando por um novo modelo de negócios. Tem um um produto que não vai seguir mais, e, para nossa tristeza, esse produto é feito aqui no Brasil. A linha de veículos de maior valor agregado, caso de SUVs e picapes, é produzida na Argentina.
Obviamente, o impacto de uma Ford atinge toda a economia, inclusive a indústria têxtil, com a produção de tecidos, por exemplo. Por outro lado, quando há uma perda desse nível, você abre mercado para os concorrentes. Esse tipo de produto de que a Ford está abrindo mão no Brasil não deixará de ser consumido. Os produtos equivalentes da concorrência irão absorver essa fatia. A Serra, se tiver o contato com esse tipo de produto, provavelmente irá absorver o crescimento das demais montadoras.
A Volkswagen Caminhões, por exemplo, está investindo R$ 2 bilhões. O ciclo de investimento das montadoras geralmente é entre quatro e cinco anos. A BMW anunciou R$ 221 milhões. A GM, recentemente, R$ 10 bilhões. Fiat, R$ 5,7 bilhões, considerando apenas a FCA, mas, estendendo a toda a cadeia, poderia ficar acima de R$ 15 bilhões. Então, tem bastante investimento surgindo.
Nosso principal esforço agora é atender as pessoas que estarão sendo desligadas a partir de negociações da empresa (Ford) com sindicatos. Vamos aproveitar a retomada em V da economia para requalificar a mão de obra, que já tem nível muito elevado, para outros tipos de indústria. Será nossa prioridade após a triste notícia do encerramento da produção da Ford.
Como será feita a requalificação dos trabalhadores?
Temos um grupo muito qualificado focado no setor automotivo. O caminho será o Senai atender à qualificação. Estamos na fase de planejamento, porque estamos limitados às datas em que vão acontecer os desligamentos, devido à negociação da Ford com sindicatos. Tendo esse cronograma, analisaremos o perfil de cada trabalhador.
As federações das indústrias (de SP, BA e CE, onde a empresa fechará as fábricas) vão identificar onde há demanda por mão de obra altamente qualificada. A partir daí, estudaremos quais serão os cursos de requalificação para as vagas abertas. Faremos a transferência da mão de obra da Ford, em um processo entre Senai, federações e governos. Nosso trabalho é de coordenação. É uma união para dar prioridade ao atendimento das pessoas mais afetadas pela decisão, os trabalhadores.
Além da intenção da Ford de apostar em veículos de maior valor agregado na Argentina, há outros fatores que pesaram na decisão?
A decisão nunca é simples para uma empresa do tamanho da Ford. A companhia já vinha tomando decisões assim mundo afora, com fechamento de fábricas na Austrália, na Bélgica. Há concorrência muito acirrada, além da transformação tecnológica que o mundo tem sofrido. Todos esses fatores pesam. A pandemia provavelmente acelerou a tomada da decisão. A crise do setor começou em 2014.
O ano de 2019 foi razoável para a indústria automobilística, com cenário bom à frente. Isso faria a Ford rever os prejuízos acumulados. Só que a chegada da pandemia impactou muito. O mercado de automóveis comercializados em 2019, no mundo, foi de 91 milhões. Em 2020, a previsão, segundo dados preliminares da Anfavea, ficaria entre 74 milhões e 75 milhões. Ou seja, são 17 milhões a menos no mundo.
Isso faz com que você direcione sua produção para fábricas de maior ocupação. A Ford, aqui no Brasil, tinha uma ocupação de 40%, o que eleva custos fixos para patamares estratosféricos.
Como define o cenário para o setor automobilístico?
O mercado continua desafiador. Não será fácil. Os efeitos da pandemia persistirão por muito tempo. O cenário que tínhamos para a Ford era de 2019 como um ano bom e 2020, 2021, 2022 e 2023 como promissores. Mas todo o mundo está revendo suas projeções.
O que entendemos agora é que, com a saída da Ford, para as montadoras com o mesmo perfil de produto, há um share (fatia) dividido entre elas. Existe uma possibilidade de ganho para aquelas que forem competentes.
O setor automotivo passa por transformação tecnológica. Como o governo pretende estimular a inovação nesse segmento e na economia como um todo?
Para o setor automotivo, já existe um incentivo dentro do programa Rota 2030 para pesquisa, desenvolvimento e lançamento de produtos. O setor é um grande promotor de inovação. Não é à toa que a Ford decidiu manter seu centro de pesquisa e desenvolvimento de produtos aqui no Brasil. Os engenheiros brasileiros são muito qualificados. São reconhecidos mundialmente.
Do ponto de vista da inovação no Brasil, falando de todos os negócios, avançamos na nova Lei de Informática. O principal foi a elaboração de um novo marco legal para startups, que já foi aprovado na Câmara. Vem para contribuir com a facilitação de negócios.
Fora isso, temos o maior programa de aceleração de startups da América Latina, o InovAtiva, e o Brasil Mais, junto com Senai, ABDI e Sebrae, no qual capacitamos micro e pequenas empresas.