O jornalista Leonardo Vieceli colabora com a colunista Marta Sfredo, titular deste espaço.
Pelo menos dois fatores ajudam a explicar o fim da produção de veículos da Ford no Brasil. Anunciado nesta segunda-feira (11), o término das atividades produtivas ocorre no momento em que o setor automotivo é atingido em cheio pela pandemia. Não bastasse a crise econômica, que derrubou as vendas em 2020, a necessidade de investimentos em tecnologia cresceu nos últimos anos.
A realização de aportes, contudo, fica ainda mais difícil em um período de queda nas receitas. O encolhimento das operações de montadoras é o efeito colateral, sinaliza o professor Antônio Jorge Martins, coordenador de cursos na área automotiva da Fundação Getulio Vargas (FGV).
— O mercado passa por reestruturação devido à transformação digital. Um setor que viveu cem anos sob a ótica analógica requer mudanças muito grandes. Há uma demanda por investimentos. Isso faz as montadoras repensarem estratégias mundiais — frisa o especialista.
O fim das operações em 2021 atinge as fábricas da Ford em Camaçari (BA), Taubaté (SP) e Horizonte (CE). A primeira das unidades é de certa forma familiar aos gaúchos. É que, antes de rumar para a Bahia, a companhia ensaiou a instalação de fábrica no Rio Grande do Sul no final dos anos 1990. Mas as tratativas com o governo Olívio Dutra fracassarem à época, deixando feridas abertas até hoje.
Em 2020, a produção de veículos caiu 31,6% no Brasil, conforme a Anfavea, que representa as montadoras. É como se a atividade recuasse 16 anos.
No acumulado até dezembro, a Ford ficou na quinta posição do ranking de vendas de automóveis e comerciais leves, com parcela de 7,14% do mercado nacional, indicou a Fenabrave, que responde pelas concessionárias. A título de comparação, a General Motors (GM), que lidera a lista, teve fatia de 17,35% dos negócios.
Após a apresentação do balanço de 2020, na semana passada, o presidente da Anfavea, Luiz Carlos Moraes, lamentou o fato de projetos como a reforma tributária não terem avançado nos últimos anos. Mudanças no sistema de cobrança de impostos são consideradas cruciais para gerar ganhos de competitividade no país. Gargalos como esses tendem a dificultar investimentos no Brasil, inclusive em setores com grande efeito multiplicador na economia. É o caso da indústria automotiva.
Nesta segunda-feira, a Confederação Nacional da Indústria (CNI) disse que a decisão da Ford é "alerta para a redução urgente do Custo Brasil". Ao tratar do episódio, a entidade voltou a defender a aprovação da reforma tributária.