Conhecido pelo ajuste fiscal que deixou o Espírito Santo com contas equilibradas, o ex-governador Paulo Hartung se tornou presidente da Indústria Brasileira de Árvores (IBÁ, com acento da sigla). Representa interesses de empresas que plantam florestas com finalidade econômica no Brasil. Na semana passada, veio conhecer a CMPC (a fábrica de celulose de Guaíba comprada pela companhia chilena em 2009), que completa uma década no Brasil exatamente no dia em que o ministro do Meio Ambiente, Ricardos Salles, afirmou ver "oportunidades" na exportação de madeira da Amazônia in natura, ou seja, sem qualquer beneficiamento. Falou sobre oportunidades ambientais e a COP25, que começa nesta segunda-feira (2) em Madri.
Como vê a iniciativa do governo federal de avaliar autorizar a exportação de madeira da Amazônia in natura, ou seja, sem nenhum beneficiamento?
Desde a Rio 92 (primeira conferência mundial sobre clima), o país evoluiu na trajetória de sustentabilidade. Foi ousado, na época, trazer o encontro para o país, tínhamos estrutura institucional ainda muito frágil em relação ao tema. Nossa diplomacia desenvolveu capacidade de debater o tema de maneira qualificada a partir de então. Podemos discutir é se houve excesso na ação nessa área, mas houve evolução institucional no país. Foi inteligente da nossa parte. Se o Brasil é um país com cobertura florestal ativa em mais de 60% do território em uma hora que o mundo está desafiado a discutir a questão do clima, temos uma vantagem competitiva nesta discussão. O que vem acontecendo nos últimos tempos não é positivo para a imagem que o país construiu. A Ibá não tem usado a ferramenta da crítica, temos lançado pontes em direção ao governo. Na atual conjuntura, há oportunidade para o país. O Brasil pode reforçar o protagonismo mundial, e os brasileiros podem ganhar com isso, que é o mais importante. O país precisa se sintonizar com esse mundo de oportunidades. A cada declaração que, consciente ou inconscientemente, flerta com violência em relação ao ambiente, com destruição ambiental, queimadas e ações deste tipo, diminuímos o campo vasto de oportunidades que temos.
Nessa hora, mudar a regra para exportação de madeira in natura não é positivo, pois opera no sentido de termos mais dificuldade para recuperar nosso prestígio.
As pontes estão sendo frequentadas, ou seja, há movimento de aproximação do governo?
Sou uma pessoa paciente, creio que temos de seguir lançando pontes. Há movimentos positivos, como o da ministra da Agricultura (Tereza Cristina). Reunimos a Coalizão Brasil Clima, Florestas e Agricultura no gabinete do ministro do Meio Ambiente (Ricardo Salles), estavam lá Guilherme Leal, da Natura, Walter Schalka, da Suzano, maior empresa de celulose do país. Nessa hora, mudar a regra para exportação de madeira in natura não é positivo, pois opera no sentido de termos mais dificuldade para recuperar nosso prestígio. O mundo está conectado. As pessoas temem boicotes de governos e de empresas compradoras de nossos produtos, mas não são só governos e empresas. Consumidores ativos que acessam as redes sociais propõem uma atitude em relação a um produto de uma região, de um país. Precisamos entender o mundo em que estamos vivendo. É muito complexo, mas tem muitas oportunidades. A questão ambiental é oportunidade para o Brasil.
Quais são essas oportunidades?
É preciso entender que essa floresta em pé é produtiva. Dizem 'temos um patrimônio que não está sendo monetizado'. Está, sim, acredito que até precisa ser mais. A floresta em pé produz serviços ambientais para o país. Esse regime de chuva que permite duas safras sem irrigação em algumas regiões está relacionado à floresta em pé, determina o clima no país e no Exterior. É uma influência que transcende o território do Brasil. Na região da Floresta Amazônica, vivem de 20 milhões a 25 milhões de brasileiros. Precisamos ter olhar atento para a região, que tem baixo IDH (Índice de Desenvolvimento Humano, que mede qualidade de vida) lá. Precisamos buscar meios e modos para melhorar a renda de quem vive lá, de olhar de sensibilidade, de maneira criativa, usando a ciência para desenvolver a região. Não vamos conseguir com ilegalidade, ao contrário, temos de levar legalidade à região.
A floresta em pé produz serviços ambientais para o país. Permite esse regime de chuva que permite duas safras sem irrigação em algumas regiões.
Há oportunidades na venda de madeira in natura?
Não é nosso setor. Não temos conexão com florestas nativas, nem da exploração legal. Trabalhamos com plantio de árvores para fins industriais, de eucalipto e pinus. Ao plantar, conservamos as florestas nativas. São empresas como a CMPC, que planta 170 mil hectares e conserva 130 mil hectares de vegetação nativa nos dois biomas em que trabalha. A cada hectare que planta, conserva 0,7 hectare de matas nativas. Não temos conexão com essa discussão, mas a Cop25 (conferência sobre mudanças climáticas da ONU será realizada desta segunda-feira, 2, ao dia 13 em Madri, depois que Brasil e Chile desistiram de receber o encontro, por motivos diferentes) vai discutir o artigo 6 do Acordo do Paris, sobre recursos. Interessa ao Brasil, porque pode monetizar ativos ambientais.
Há equívoco na forma como o governo trata a questão ambiental, atribuindo o assunto à agenda do "marxismo cultural"?
Está errado. Agenda ambiental não é de direita, nem de esquerda e nem de centro. Veio para ficar. Um dos temas é a economia circular, dar um destino sustentável a resíduos do ponto de vista econômica. Se você transforma um subproduto para ser usado na produção agrícola, você gera oportunidades, emprego, renda. Precisamos construir pontes nesse diálogo no Brasil. Estão querendo discutir eleição presidencial, não tem eleição neste ano. A que está mais próxima, para as prefeituras, ninguém discute. O que temos de discutir são as medidas que o Brasil precisa adotar: vamos fazer a reforma administrativa ou não? Vamos estender reforma da Previdência para Estados e municípios ou não? Agora tem um tempo que nós, brasileiros, não temos direito de perder. Estamos em uma roda de perder tempo.
Se bobear, estamos perdendo a janela que a população abriu. Dava para ter feito mais neste ano.
Como vê a perspectiva de aprovação de novas reformas?
Algumas pontes foram aproveitadas. Desde o governo Fernando Henrique, tentaram fazer reforma da Previdência com idade mínima, o que é uma coisa óbvia. Conseguimos, agora. É perfeita essa reforma? Não. E tem um fato que passou despercebido: a autorização dada pela sociedade foi maior do que o Congresso conseguiu fazer com o governo central. A sociedade topava uma reforma até mais profunda do que foi feita, não se opôs. Por quê? Tenho algumas percepções: o sofrimento causado na população que viveu o Plano Real e depois o boom das commodities. Nos dois casos, melhorou de vida. Essa população desceu ladeira abaixo na recessão econômica que atravessamos: perdeu emprego e renda, teve acesso a bens e serviços dos quais, depois, teve de abrir mão. Isso criou um campo de sofrimento que deu certa autorização para as coisas que precisam ser feitas. Se bobear, estamos perdendo a janela que a população abriu. Dava para ter feito mais neste ano. Quando o governo votou o segundo turno da Previdência, se tivesse definido o que gostaria de fazer depois, já poderia ter apresentado à Câmara sua segunda prioridade. Estamos perdendo o espaço que foi dado para modernizar o país, dar competitividade, injetar produtividade.
O que pode ajudar o Rio Grande do Sul em sua fórmula de ajuste fiscal no Espírito Santo? Quando cheguei ao governo do Espírito Santo, tinha a fisionomia atual do gaúcho: estava literalmente quebrado. Duas folhas de pagamento atrasadas, direitos e vantagens dos servidores não eram pagos há anos. Promoção, progressões foram sendo suspensas. Não pagava fornecedores e prestadores de serviço. Quando assumimos, a dívida a curto prazo do Estado representava quatro receitas brutas. Conseguimos consertar. O Estado foi reorganizado e tem capacidade de investir com seus próprios recursos. Dos oito anos (Hartung teve dois mandatos), três foram para colocar a casa em ordem. Quando disputei para ser governador pela terceira vez, em 2014, o Estado voltava a flertar com a desorganização, a folha de pagamento havia crescido 65% ante inflação de 27%. Tivemos de fazer novos consertos, não no mesmo formato. Tivemos recessão econômica, crise hídrica, crise dos royalties do petróleo, pareciam as sete pragas do Egito. Pensava que, de ruim, já não podia acontecer nada. Veio o desastre de Mariana. A Samarco (empresa dona da barragem que se rompeu, controlada pela Vale) significa 1,2 % do PIB mineiro, mas é 5% do capixaba.
Não adianta ser líder achando que vai agradar a todos. Há grupos muito poderosos na narrativa, muito barulhentos, que se apropriaram da máquina pública.
Dá para ter esperança de melhora também no Rio Grande do Sul?
Sim. É preciso ter noção de que há problemas estruturais, não só conjunturais, não é só colocar no colo do governador. Precisamos mexer na estrutura do Estado, que custa caro, presta serviços ruins e opera na direção da concentração de renda. A máquina púbica fomenta a desigualdade social do país. É preciso reinventá-la. Tem jeito, sim. Não é milagre, tem de exercer liderança.Não adianta ser líder achando que vai agradar a todos. Há grupos muito poderosos na narrativa, muito barulhentos, que se apropriaram da máquina pública. Acham que são os donos, mas o dono é o povo que paga impostos e financia a máquina pública, muitas vezes não vê o dinheiro sendo aplicado. Tem conserto para tudo. O Rio Grande está em boas mãos, gosto do governador.