Filho de um açougueiro e uma dona de casa do sul de Minas Gerais, Carlos Vaz desembarcou em Boston com US$ 300 na carteira. Trabalhou duro, montou uma empresa em Dallas (Texas). Em boa parte graças à bolha imobiliária que levou o mundo à recessão, acumula ativos de US$ 900 milhões. O segredo?
Saiu antes que tudo estourasse, como no filme A Grande Aposta. Comprou 10 mil imóveis adquiridos e agora quer atrair mais brasileiros. Hoje se declara "texano de coração", é CEO da Conti Real Estate Investments, focada no mercado imobiliário de Dallas. Em uma de suas passagens pelo Brasil em busca de investidores, Vaz conversou com a coluna.
De US$ 300 a US$ 900 milhões
"Em casa somos nove, procurei crescer e ter algo melhor. Trabalhei no açougue com meus pais. Sempre gostei de aprender, não acredito que fazemos faculdade e acabou. Aprendi inglês com um amigo que trouxe material dos Estados Unidos. Fazia faculdade de Direito em Viçosa, na época, e teve uma greve. Então, pensei em fazer estágio fora. Foi quando apareceu a oportunidade de estagiar em um escritório em Boston, nos Estados Unidos, não remunerado. Vi que precisava achar uma maneira de me manter por lá, aos 22 anos. Meu primeiro emprego foi em uma distribuidora de jornais. Usei o dinheiro para pagar o aluguel e fazer mais cursos. Também trabalhava em um restaurante, nos finais de semana, porque precisava de dinheiro. Fiz cursos básicos de economia, administração, o que me ajudou aprender mais sobre o mercado. Meus amigos me estimularam a entrar na área de construção, mas disse que, antes, queria aprender sobre a área. As pessoas dizem que tive sorte, mas não acredito em sorte, acredito em preparação constante. Quando comecei a procurar empregos na área de construção, recebi muitos 'nãos' até uma empresa me contratar como ajudante de pedreiro. Acredito que existam duas forças, uma é garra e determinação, outra é a gratidão."
Então chegou o momento da alta do subprime (hipotecas de alto risco, apontadas como origem da recessão que abateu os EUA em 2008), com financiamento em grande escala de 100% para comprar casas.
Hipotecas subprime
"Com o dinheiro que consegui guardar, criei a minha primeira empresa, a Conti Construções,
que na época fazia pequenos serviços, como arrumar portas e janelas, em menos de quatro anos após chegar aos EUA. Os serviços começaram a aumentar, e um conhecido que trabalhava em Boston com hipotecas sugeriu que trabalhássemos juntos. Ele fazia hipotecas e tinha grande chance
de fazer alguma reforma na casa. Aprendi com ele como se fazia hipoteca. Então chegou o momento da alta do subprime (hipotecas de alto risco, apontadas como origem da recessão que abateu os EUA em 2008), com financiamento em grande escala de 100% para comprar casas. Sou resultado de dois fatores: ir para os EUA e o subprime. Se não houvesse financiamento de 100%, não estaria aqui hoje. Foi a partir dessa parceria que a companhia se tornou o grupo da Conti: compravámos, fazíamos a reforma e vendíamos. Comprava com 100% de financiamento e revendia com os mesmos 100%. De 2005 a 2007, comecei a crescer muito."
Havia grande especulação, o que via como um problema. O que fazia dependia de ter financiamento de 100%. Se o seu negócio depende 100% de algo, você tem uma bomba que em algum momento pode explodir.
A recessão de 2008
"No começo de 2007, quando todo mundo estava bem, decidi sair. Tem coisas que são muito lógicas. No começo daquele ano vi que a cidade de Boston não estava crescendo tanto e várias pessoas estavam pensando em fazer o mesmo: comprar casa, reformar e revender. Havia grande especulação, o que via como um problema. O que fazia dependia de ter financiamento de 100%. Se o seu negócio depende 100% de algo, você tem uma bomba que em algum momento pode explodir. Se 'amanhã' os bancos parassem de dar esse financiamento, meu negócio não existiria mais. Foi aí que comecei a vender o que tinha. Em maio de 2007, já havia liquidado tudo. Em 2007, conheci pessoas que tinham prédios residenciais, como os que tenho hoje, mas em escala menor, e me incentivaram a entrar nessa área. Fiz mais cursos, aprendi sobre tendências demográficas. Vi que Boston estava limitado e resolvi ir para o Texas, Estado muito favorável a negócios. O mercado estava mudando, e entrei em prédios multifamiliares, entre 200 e 500 apartamentos. Fiz a primeira compra de uma unidade assim em 2008, mas não foi um bom negócio. Ganhei quase nada, só 1%. Essa perda me ajudou a aprender para depois ganhar dinheiro. Durante a crise do mercado, compramos 1,4 mil apartamentos juntos."
Negócios no Brasil
Como há muita incerteza política e econômica, o investidor entra no Brasil pensando na saída. Boa parte do mercado ainda está nos EUA, mas o Brasil está crescendo e já passou o México.
"Comecei a olhar para o Brasil em 2016. Como o país é muito grande, com diversas oportunidades, o brasileiro sempre investiu aqui mesmo. Começou a olhar para a fora graças a XP, Portugal e Estados Unidos também para diversificar. Outro fator é a maturidade. Como há muita incerteza política e econômica, o investidor entra no Brasil pensando na saída. Boa parte do mercado ainda está nos EUA, mas o Brasil está crescendo e já passou o México. É uma situação recente, teve o impeachment, o (presidente Jair) Bolsonaro ainda está sob análise. A demanda aumenta à medida que veem a seriedade. Estamos começando a trabalhar com KPMG como auditoria, o que valida o investimento. Há expectativa de que essa vez vai melhorar, mas também é um momento bom de sair um pouco do risco Brasil e ter algo lá fora."
Se algo aparenta ser muito bom para ser verdade, a possibilidade de não ser tão bom é grande. Isso é universal.
Seletividade
"O Brasil tem de parar um pouco com o efeito manada, tem aquela ideia de que, se 20 pessoas investiram, também posso. Muitas vezes, brasileiros investem antes de conversar com o advogado e o contador. É melhor recorrer a conselheiros antes de investir. Acredito que existam oportunidades no Brasil. Também tem essa questão do crédito multifamiliar, que tem demanda e riscos relacionados, então é preciso um pouco de cautela. Se algo aparenta ser muito bom para ser verdade, a possibilidade de não ser tão bom é grande. Isso é universal."
O futuro do Brasil
"A reforma da Previdência é parte da solução, mas não é toda a solução. Gestores têm de se perguntar como o Brasil pode ser mais competitivo, com todos estes encargos tributários. São necessárias reformas políticas, tributária, na educação. A solução para o Brasil é de longo prazo e envolve educação. É preciso resolver o custo Brasil, primeiro é necessário que o país seja mais acessível. Muitas vezes, o brasileiro não quer investir no próprio país porque há leis trabalhistas antigas e encargo tributário demais."
*Colaborou Anderson Mello