Em 15 de setembro de 2008, o gaúcho Cláudio Berquó, hoje sócio do BTG Pactual, comandava a área de private bank do banco JP Morgan. No dia em que o Lehman Brothers quebrou, arrastando nos meses seguintes milhares de outras instituições financeiras pelo mundo, Berquó já havia experimentando a sensação de vertigem que tomou conta do mercado: em março, o JP havia sido instado pelo Tesouro dos Estados Unidos a comprar o Bear Stearns. Era o quinto maior banco de investimentos dos EUA, entregue por US$ 236 milhões, cerca de 10% de seu valor de mercado. No ano seguinte, Berquó se tornou CEO do JP Morgan Brasil. O executivo lembra que é a normalização do juro americano a responsável pela nova crise que afeta emergentes, inclusive o Brasil.
Os primeiros sinais
"Antes de 15 de setembro, a JP Morgan comprou a Bear Stearns. O governo pediu ao JP que comprasse, e acabou levando a empresa quase pelo valor do prédio. O grande problema era a alavancagem. O Lehman tinha US$ 600 bilhões de ativos para US$ 22 bilhões de capital, estava alavancado em 30 vezes. Significava que se esses ativos, na maior parte hipotecas, caíssem apenas 3%, zeraria o capital da empresa. A origem foi o juro baixo nos EUA. Houve valorização absurda de casas, todos compravam. Bear Stearns, Lehman Brothers e outros não eram exatamente bancos, mas grandes corretoras. Empacotavam esses títulos e vendiam no mercado institucional para todo o mundo. O Brasil só foi menos afetado porque era, e é, muito fechado. Mas houve banco na Alemanha que comprou e quebrou."
A alavancagem
"No mercado financeiro, toda manhã há reuniões de tesouraria, onde se fala sobre o caixa do banco, o que está acontecendo no mercado. A crise começou entre o final de 2007 e o início de 2008. Havia sinais de que instituições financeiras enfrentavam problemas. O maior era a alavancagem, porque todos buscavam ativos de maior risco. Ainda era uma etapa de normalização do ataque de 11 de setembro de 2001, que teve impacto forte. Ainda havia repercussão da guerra contra o Iraque. Falava-se que algo ia mal, mas ninguém tinha bola de cristal para imaginar o que viria. Até porque o Fed (Federal Reserve, banco central dos EUA) que fiscaliza e inspeciona o mercado, teria de atuar."
O risco sistêmico
"A função do Fed era controlar para que não houvesse risco sistêmico. Se ocorre risco sistêmico nos EUA, acaba o mundo. Foi o que começou a diferenciar bancos e corretoras. Goldman Sachs e Morgan Stanley tornam-se bancos, foram os que sobreviveram. Se você compra na conta de um banco, esses títulos são seus. Se compra os mesmos em uma corretora, podem ser usados como colateral (espécie de garantia). Quando estourou, as pessoas saíram correndo para resgatar seu dinheiro, mas estava tudo misturado."
O dia D
"A notícia da falência correu no domingo, todos estávamos assustados, nos preparando para o dia seguinte. Não escapou ninguém. Até as ações do JP na época caíram a US$ 15, hoje valem US$ 110, isso que foi um dos que se saíram melhor. Em cada reunião, ouvia-se histórias de empresas que haviam perdido tudo, era só notícia triste. A gente via muita gente indo embora com as caixinhas (quando um funcionário é demitido, costuma juntar seus pertences em caixas para levar para casa). Demorou muito tempo para normalizar."
O papel do governo
"A explicação para a falência do Lehman era de que não havia instrumento jurídico para salvar. Não fizeram protocolos anteriores e, portanto, o Fed não pôde atuar. Houve inúmeras tratativas do que fazer e como fazer. Lembro de outros casos, como o da Countrywide, que gerava hipotecas. Virou pó, foi vendida por US$ 3 bilhões, era tudo subprime (hipotecas negociadas com clientes de alto risco, sem garantias). E havia muita fofoca, depois confirmada, de que o secretário do Tesouro na época, Hank Paulson, egresso da Goldman Sachs, salvou a antiga empresa."
Nova crise gerada pelo fim da crise
"O que está ocorrendo agora é a normalização do juro nos EUA depois de quase 10 anos congelado entre zero e 0,25%. A média histórica é de 5% a 7%. Quando o título de 10 anos do Tesouro encostou em 3%, abriu crise na Argentina, na Turquia. Toda vez que há choque global é porque falta capital. Hoje, o Brasil está diferente, tem capital e reservas de sobra. É afetado por estar em momento político difícil, com alto déficit fiscal. É o faz o dólar passar de R$ 4, mas é bem diferente da Argentina, que teve que levar o juro a 60%. Se o Brasil precisasse normalizar o juro, ficaria em 8%, todo mundo ficaria feliz, e dólar, mais abaixo. É bom lembrar que o dólar que chegou a R$ 4 em 2002, na primeira eleição de Lula, corrigido hoje estaria por volta de R$ 7. O Brasil é um país exportador. Dólar mais alto beneficia quem planta soja e exportadores."