O economês e os meandros do movediço universo das finanças que conduzem a trama poderiam deixar o espectador um tanto distante do que se passa em A Grande Aposta. Ao detalhar o processo que abalou as estruturas do capitalismo mundial em 2008, porém, o diretor Adam McKay garante, com uma narrativa ao mesmo tempo didática e febril e um grande trabalho do seu elenco, que leigos e desinteressados no tema tenham no filme um dos mais saborosos programas desta temporada de premiações no cinema americano.
Com cinco indicações ao Oscar 2016 (incluindo melhor filme e direção), A Grande Aposta conta a história real de um grupo de investidores de Wall Street que previu, com razoável antecedência, onde desaguaria uma combinação de ganância, esperteza, má-fé e vista grossa de quem deveria regular o sistema. Por volta de 2005, surgiram os primeiros sinais de que o setor de crédito imobiliário dos EUA, historicamente sustentado pelas hipotecas – e visto como uma engrenagem sólida e inabalável –, estava em risco diante de uma conta que não fecharia mais adiante: a volumosa concessão de financiamento sem exigência de garantias. Diante da crescente inadimplência, quando a bolha estourou, o sonho da casa própria tornou-se pesadelo e o lucro fácil virou pó. As consequências foram catastróficas e, num efeito cascata, o colapso abateu economias no mundo todo.
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Roteirista e diretor egresso do programa humorístico Saturday Night Live, McKay assinou comédias escrachadas como O Âncora e sua sequência, Tudo por um Furo, nas quais satirizou o ambiente de vaidade e competição dos telejornais americanos. Com um registro mais contido, quase dramático, crítico e embebido em sarcasmo, ele adapta em A Grande Aposta o livro lançado em 2010 pelo jornalista especializado em finanças Michael Levis.
Dois protagonistas se impõem na trama, vividos com muita robustez por Christian Bale (indicado ao Oscar de ator coadjuvante) e Steve Carell. Bale é Michael Burry, excêntrico diretor de um fundo de investimento que desistiu da carreira de médico para ganhar dinheiro com seu talento para interpretar números, gráficos e relatórios complexos. É Burry quem dá o alerta, ignorado e ironizado pelos grandes tubarões das finanças.
O personagem de Carell, Mark Baum, é um experiente e estressado operador de negócios que exibe uma crise de consciência moral contra o sistema que o alimenta. Baum fica sabendo da previsão de Burry por um outro farejador de dinheiro, Jared Vennett (Ryan Gosling), que incorpora a figura do narrador da história. Cientes da bancarrota que se aproxima, os jogadores começam os movimentos para apostar no improvável caos financeiro que se avizinha, ousadia que fará deles milionários quando todos quebrarem a cara – a alusão à jogatina tem uma sequência emblemática localizada em Las Vegas. Em um papel menor, Brad Pitt, produtor do filme, faz um ex-executivo de banco que ajuda dois novatos no ramo a embarcarem na maré da fortuna cavoucada no risco.
Para aliviar a enxurrada de jargões econômicos em torno de subprimes, swaps e CDOs, A Grande Aposta lança mão de intervenções esclarecedoras que dão o contexto histórico da época na política e na cultura pop. E coloca personalidades para "traduzir" com analogias os movimentos financeiros mais complexos, entre elas as atrizes Margot Robbie (do filme O Lobo de Wall Street, que abordou tema parecido) e Selena Gomez, além do chef de cozinha Anthony Bourdain.
Com sua criativa abordagem de um tema árido, A Grande Aposta coloca-se entre os melhores filmes que já iluminaram os bastidores da crise de 2008, entre eles Margin Call – O Dia Antes do Fim (2011) e o documentário vencedor do Oscar Trabalho Interno (2010). O mais impressionante, destaca A Grande Aposta, é que a lição de 2008 parece não ter sido bem absorvida nos escritórios de Wall Street. Muitos engravatados se safaram da cadeia, pobres e imigrantes levaram a culpa pela ambição de querer ter onde morar, e uma nova bolha especulativa pode estar prestes a estourar.