Quase 14 anos depois da compra do terreno do antigo Estaleiro Só, começaram as obras na área comprada por Saul Boff em 2005. Além de 70% do Pontal, empreendimento que está começando a tomar forma no local, o dono da SVB Participações e Empreendimentos tem fatias de negócios tão distintos como consultoria de compliance e biotecnologia. Nesta rara entrevista, Boff detalha como surgiu essa diversidade nos investimentos e conquistou a fortuna que permite bancar projetos com muita "nitroglicerina" – como ele e seus parceiros denominam seu apetite pelo risco.
Como decidiu comprar o terreno do Estaleiro Só?
Em 2005, passeando de barco em Angra dos Reis, vi o estaleiro Verolme (hoje Brasfels) e me lembrei do Estaleiro Só. Questionei por que o terreno havia sido oferecido tantas vezes em leilão e nunca ninguém arrematou. Fiquei curioso. Por coincidência, uma semana depois tinha nova oferta. Mandei investigar e falei com meus advogados, que consideraram a compra segura por ser massa falida – quem assina a escritura é o juiz, e isso dá segurança para o arremate. Fui ao leilão e só tinha eu. Dei o lance mínimo e levei, na época por R$ 7,2 milhões.
Foi uma barbadinha?
Em termos. Costumo repetir o que dizem empresários da construção: "O Saul não é mais inteligente do que nós, ele é mais corajoso". A ideia era fazer daquele local uma área mista, é o efeito tartaruga, em que você trabalha e se diverte, tudo embaixo do mesmo casco. Isso é sustentável porque você diminui a necessidade de transporte. É inteligente, é um lugar bonito, na Europa se faz muito isso. Essa era a ideia, mas para isso eu teria de mudar a lei porque, na época, só podia construir área comercial. Fiz um estudo de viabilidade, se eu não aprovasse a lei, estaria satisfeito só com a comercial. Foi criado um regime especial para a área, a lei 470, na época pelo Tarso Genro, para permitir a venda da área e pagar as dívidas trabalhistas de quem trabalhou ali. Quando arrematei, fui aplaudido pelos funcionários no fórum, porque entrava dinheiro.
Somos uma holding, atuamos também em mineração, biotecnologia, compliance, imobiliária, shoppings.
Mas o plano de fazer uso misto não passou...
O projeto foi aprovado na Câmara (de Vereadores), mas o Fogaça (José, prefeito na época) não quis sancionar, porque achava muito polêmico. Negociou um plebiscito com a Câmara. Achei ótimo, porque tinha feito pesquisa e dava 88% a favor. Mas o plebiscito custaria R$ 7 milhões. Aí veio a ideia da consulta popular. Quem vai em consulta popular? Os organizados. Se fosse plebiscito, iria um milhão de votantes e nós ganharíamos com mais de 80%. Previ que, na consulta popular, não daria 20 mil votos e iríamos perder de 4 x 1. Acertei, deu 22 mil e tomamos de 5 x 1. Por questão de honra, mesmo sabendo que seria derrotado, eu fui votar. Digo sempre que até a minha mãe, se morasse aqui, não iria.
Foram mais de 10 anos para começar a obra?
Claro, todo mundo com medo que desse algum problema. É da nossa essência, por termos empresa de compliance (integridade, conformidade às leis), o compromisso de fazer a coisa certa, não admitir nada errado. É dever de ofício. A SVB tem 51% de uma empresa que faz o canal de denúncia, a Contato Seguro, a maior do Brasil.
Em quais outras área atua?
Somos uma holding, atuamos também em mineração, biotecnologia, compliance, imobiliária, shoppings. Na área de mineração, temos concessões para minas de ferro em Mato Grosso, mas não estamos minerando porque as áreas se viabilizam a partir de US$ 100 a tonelada na China. Entramos quando a tonelada estava a US$ 180, voltou para US$ 40 e agora está em US$ 90.
Meu amigo ligou e disse: 'Tu que gosta de nitroglicerina, tem um gaúcho com uma ideia". (...) Tenho um percentual que uso para risco, é nitroglicerina mesmo.
Como funciona essa área de compliance?
A sede da Contato Seguro é Porto Alegre. A da Compliance Total fica em São Paulo. É uma empresa de consultoria em sociedade com Wagner Giovanini, que considero o maior expert em compliance do Brasil. Quando a Petrobras foi pega na Lava-Jato, tinha um canal próprio de denúncias, mas o pessoal da Lava-Jato determinou que tivessem um canal independente. Abriram uma concorrência internacional e nós ganhamos. Depois que implementamos o canal, um diretor veio saber o que estava acontecendo, porque eles tinham antes 40 denúncias por mês, com 80 mil funcionários, e passaram a ter 470 mensais, porque o canal é independente.
Como surgiu esse negócio?
Brinco nas convenções, dizendo: 'Vocês sabem como surgiu a Contato Seguro? O Ângelo, meu filho, e o Diego foram surfar no Peru, fumaram maconha e vieram com essa ideia. E eu, louco, investi nesses dois'. Não é sério, nenhum dos dois fuma maconha. Mas foram surfar no Peru, há oito anos. Durante quatro anos comemos grama, investimos sem ter retorno. Um pouco antes da Lava-Jato já tínhamos levantado voo.
Meus negócios são como a Disneylândia, tem trenzinho e cavalinho, mas também trem-fantasma. Não sou bom gestor. Se tu colocar uma carroça de pipoca comigo, eu quebro a carroça de pipoca.
E qual é o negócio de biotecnologia?
É um investimento que tem uns 10 anos, entramos como investidores em um projeto do Hospital de Clínicas, um tratamento para câncer de próstata. Vamos enfrentar o FDA (Food and Drug Administration, responsável por regular produção de medicamentos e alimentos) nos Estados Unidos, para ter a aprovação. O nome da empresa é FK, de Fernando Kreutz, criador do método. Em 90 dias, vamos para o teste do FDA. Temos muita expectativa, se passar vamos buscar investidores porque vamos precisar de dinheiro para as pesquisas, que são caríssimas.
E esse, como surgiu?
Tenho um amigo que foi presidente do JP Morgan na América Latina. O Fernando, da FK, visitou o JP Morgan nos EUA, em busca de apoio. O banco gostou, mas disse que o momento de entrar seria o IPO (abertura de capital, depois de a empresa estar operacional). Meu amigo ligou e disse: 'Tu que gosta de nitroglicerina, tem um gaúcho com uma ideia". Falei com o Fernando e vi que tinha sangue no mar, tipo tubarão. Tenho um percentual que uso para risco, é nitroglicerina mesmo. Meus negócios são como a Disneylândia, tem trenzinho e cavalinho, mas também trem-fantasma. É meu estilo, sou muito inquieto. Não sou bom gestor. Se tu colocar uma carroça de pipoca comigo, eu quebro a carroça de pipoca. Só estou contando as cachaças que bebi, os tombos que levei não estou contando. Mas me considero um empreendedor de razoável para bom. Como admito minha deficiência como gestor, chamo outras pessoas para ajudar, meu filho é bom gestor. Eu tenho visão visão multifocal.
Tinha um primo, André Maggi, pai do Blairo, que foi ministro, que gostava de mim porque eu era uma das poucas pessoas que o faziam rir. Ele incentivou, em vez de especular, que eu operasse na terra.
E qual a origem dos recurso para investir?
Nasci em Capão da Canoa, vim para Porto Alegre com 16 anos, vivi em fundo de pensão, tinha dois empregos. Me formei em administração, depois na FGV em marketing em 1976. Aos 22 anos, fui ser representante comercial de uma empresa que distribuía aço para a Acesita. Fiquei por 32 anos, peguei o Sul com seis clientes e entreguei com 1.111. Em 1988, fui para o Mato Grosso comprar terra, fui especular. Diziam que eu estava maluco, estava indo quando todos saíam. Na época, muita gente quebrou, não tinha logística, mas os que resistiram ganharam muito. Tinha um primo, André Maggi, pai do Blairo, que foi ministro, que gostava de mim porque eu era uma das poucas pessoas que o faziam rir. Ele incentivou, em vez de especular, que eu operasse na terra. Em uma fazenda de mais de 20 mil hectares, comecei a plantar soja, algodão, fui um dos pioneiros, tive a maior roça de algodão da época com 6 mil hectares. Criei uma indústria de semente, tive uma beneficiadora de algodão e já exportava direto o material beneficiado. Mas há uns 10 pra cá, saí do negócio e transformei a BMPar em empresa de participações. O Mato Grosso me deu muita satisfação, mas meu filho não gostava, ele fazia para me agradar e não gosto disso. Tem de fazer o que gostar, e ele é mais urbano, não é rural.
Joesley (...) começou a comprar todos os frigoríficos. Monopolizou, não sobrava couro para mim. Tive de vender o curtume, pelo preço que ele quis pagar.
É daí que vem sua fortuna?
Em parte, sim. Vendi em duas etapas. A primeira foi em 2003, para o Grupo Maggi. Na época, pensei em uma jogada: me associo a ele, que é uma marca, vendo metade, e multiplico por três ou quatro os outros 50%. Foi o que aconteceu. Aí trouxe para a mesa novos compradores para a segunda metade. Ou ele acompanhava ou deixava vender. O Maggi é comprador, então pagou o preço que eu quis. Foi uma venda muito boa, me deixou bem capitalizado e botei o dinheiro para trabalhar. Também tivermos um curtume no Mato Grosso. Diria, sem falsa modéstia, que era o mais moderno do mundo, porque fazia quatro mil peles por dia com 104 pessoas, para um normal seriam necessárias 300 pessoas. Era todo automatizado. Mas esse foi um tombo.
Não deu certo?
É uma história que tenho de chorar para contar. Fiz uma obra-prima, mas não consegui desfrutar. Quando o Joesley (Batista, da JBS) entrou no mercado, tinha se associado ao Grupo Bertin, do setor de couros. Depois ele comprou o Bertin e esse segmento veio junto. Joesley viu que era um bom negócio e começou a comprar todos os frigoríficos. Monopolizou, e não sobrava couro para mim. Tive de vender o curtume, e pelo preço que ele quis pagar. Era um negócio para ganhar US$ 30 milhões limpos por ano. Não consegui porque o cara não me vendia couro e não deixava que outros me vendessem, ameaçava.