Procuradora regional da República na 4ª Região, Carla Veríssimo foi chamada em junho para auxiliar na Operação Lava-Jato. Seu papel é acompanhar a implantação e o aperfeiçoamento de programas de compliance nas empresas que fizeram acordos de leniência com a força-tarefa. A maior parte dos acordos prevê essa obrigação, que, nas palavras da procuradora, representa a "prevenção da criminalidade empresarial". Especialista em crime organizado, corrupção e terrorismo, Carla está lançando neste mês o livro Compliance – Incentivo à Adoção de Medidas Anticorrupção.
Compliance forçado
A maior parte dos acordos de leniência prevê que as empresas têm de implantar programas de compliance. O objetivo é que o programa seja capaz de cumprir sua função, que é prevenção da criminalidade empresarial. É uma maneira de a iniciativa privada se aliar ao Estado nessa tarefa. O que se vê em ambiente de corrupção sistêmica, como no Brasil, não é normalmente uma relação de extorsão do setor privado por políticos ou funcionários públicos corruptos, é mais um sistema de trocas voluntárias e recíprocas onde todos ganham. Vemos isso de maneira clara em um ambiente de cartel, no qual diminui a concorrência e o risco, então os negócios públicos são feitos principalmente com as empresas que pagam propinas, e quem não paga fica excluído do mercado. O que a lei tem de fazer – e não se vê essa capacidade – é aumentar o custo do crime, ou seja, tornar maior o risco de ser apanhado, punido.
Elevar o custo/benefício
Com punições mais efetivas, os empresários apanhados vão ver que é caro violar a lei, que o mais razoável, economicamente falando, é cumpri-la. Então é uma nova lógica de custo/benefício. A empresa é um sujeito racional porque está voltada para o lucro. Faz a conta: quanto custa implantar o compliance, quanto custa a pena, qual o dano da multa, o de imagem pela exposição de um escândalo. Quando se muda essa cultura, e esse é o grande desafio, a ideia é que se perceba que não vale a pena corromper, que é muito caro. Quanto mais empresas chegarem à conclusão de que não vale a pena corromper, que é muito melhor para os negócios um ambiente de concorrência e de negócios limpos e sadios, começa a diminuir a quantidade de dinheiro no mercado de corrupção. Claro que é um problema complexo, precisa de uma estratégia complexa, mas o compliance é uma das estratégias.
Delitos desde o topo
Uma das regras do compliance é que tem de ser feito sob medida para a empresa. Não se deve exigir medidas muito elaboradas para empresas menores, porque outra regra do compliance é uma abordagem baseada no risco. Como os recursos são finitos, tempo, dinheiro, é preciso identificar onde há maior risco de corrupção. Nos setores onde é maior, adota-se medida mais reforçada. Onde é menor, é mais simples. Um dos fatores mais importantes do compliance é que a mensagem e a atitude venham de cima. Mesmo que a empresa tenha um programa muito bonito, pode ser compliance só de papel, para inglês ver, não aplicado na prática. Em todos os delitos revelados na Lava-Jato, a criminalidade era cometida desde o topo – CEOs, presidentes de empresas. Se o dirigente está envolvido em condutas corruptas, o compliance não valia nada.
Depois da Lava-Jato
A Lava-Jato é um ponto fora da curva, o sistema todo não funciona assim. Deu visibilidade maior ao risco de alguns serem punidos. Isso trouxe algum temor, e os acordos de leniência foram utilizados depois que a empresa foi apanhada. Nossa Justiça é muito lenta, existe prescrição. A Lava-Jato já se espalhou para fora de Curitiba e Brasília. Há atuação forte no Rio e outros lugares, onde modelos de atuação em força-tarefa foram replicados. Estamos vendo resultados também em outros lugares. É uma mudança que leva tempo. Tenho esperança de que seja o início de um processo, que tenhamos mais casos assim e respostas efetivas em outros setores. Mudar a cultura é muito difícil, seja em uma empresa ou em um modelo de atuação baseado em corrupção. Quando a Lava-Jato acabar, porque está restrita ao caso da Petrobras, então não tem muito ainda a ser feito. Mas o Brasil é tão pródigo em crimes e escândalos que, se continuarmos trabalhando bem como conseguiu trabalhar até aqui, acho que material de trabalho não vai faltar. O que a operação fez foi revelar o que se intuía mas não tinha noção de dimensão. Muita gente diz que enfrentar a corrupção prejudica a economia. Não é assim. Há investidores que não querem países muito corruptos por receio do que vai ocorrer com seu capital. Um ambiente de regras claras e cumpridas é mais seguro para investir. A corrupção está disseminada em todo o Brasil, é um ambiente de corrupção sistêmica. Mudar isso tudo demanda esforço, tempo, atuação das autoridades e da sociedade.