Poucas vezes a política externa de um governo recém-eleito rendeu tanta polêmica quanto a alimentada neste final de 2018. O assunto é distante da população, mas ganhou visibilidade graças à forma ou ao conteúdo de declarações do presidente eleito Jair Bolsonaro e seu superministo da Economia, Paulo Guedes.
No esforço de demonstrar que inverteria a mão da estratégia Sul-Sul dos governos do PT e que queria relações comerciais "sem viés ideológico", Bolsonaro exagerou na dose e virou a tática do avesso. Ao anunciar que mudaria a embaixada do Brasil em Israel de Tel-Aviv para Jerusalém, conquistou um feito: mesmo antes da posse, foi alvo de uma retaliação do Egito, que cancelou viagem do atual ministro de Relações Exteriores, Aloysio Nunes, ao Cairo.
O presidente eleito ameaçou, ainda, abandonar o Acordo de Paris, em um claro eco da decisão de Donald Trump. Antes, Guedes havia respondido de maus-modos a uma pergunta sobre o Mercosul dizendo que o bloco não era prioridade.
A sucessão de declarações fora de tom fez com que as relações comerciais virassem o principal assunto do pronunciamento feito na sexta-feira à tarde. Em uma tentativa de recompor a imagem, Bolsonaro afirmou que quer "reforçar os laços de cooperação comercial". E voltou a mencionar a questão da embaixada em Israel, afirmando:
– Nós não queremos problemas.
Enquanto o presidente eleito tropeça no tom, diplomatas de carreira só tem uma expectativa: a de que ele indique, com a maior brevidade possível, seu ministro de Relações Exteriores. Nove entre 10 embaixadores concordam com o espírito da nova política exterior: fazer negócios sem viés ideológico. Caberá ao futuro chanceler evitar que ocorra apenas a inversão de sinal.