Um dos animadores do debate econômico nacional, Alexandre Schwartsman, doutor em economia pela Universidade da Califórnia e ex-diretor de Assuntos Internacionais do Banco Central, é esperado em Porto Alegre nesta segunda-feira (9). Vai participar do primeiro evento preparativo do Fórum da Liberdade 2018. O Colóquios do Fórum da Liberdade propõe discutir O Papel das Elites na Condução do País, em evento restrito para convidados.
É defensável a tese de descolamento entre a crise política e situação econômica?
Os fatos são bastante claros. Há algum grau de descolamento, sim. Quando eclodiu a delação da JBS, surgiram as gravações, o receio era de que pudessem tirar dos trilhos a recuperação que estava começando. Havia sido um trimestre positivo, imaginava-se que o segundo também fosse. A saída dos trilhos não parece ter ocorrido. A recuperação econômica, pelo menos, parecer ter ficado razoavelmente imune. Havia também receio de que poderia levar a uma desvalorização forte do real, que pudesse, em alguma medida, ameaçar a convergência da inflação. Nisso, os dados são eloquentes. A recuperação econômica seguiu, o câmbio não explodiu, a inflação continuou baixa, então o BC continuou cortando juros. Então, por esse lado, sim, houve descolamento da crise política e da situação econômica.
É um descolamento total?
Onde não houve descolamento total é na perspectiva de reformas. Havia uma antes do escândalo político, e temos outra depois. Antes se discutia a possibilidade de aprovar, ao menos na Câmara, a reforma da Previdência na forma como passou na comissão especial. Foi aprovada em maio, os planos eram de que fosse aprovada (em plenário) em junho, não havia certeza de que seria aprovada daquela forma, mas estava na mesa. Agora não está mais na mesa. A discussão hoje é, talvez, a idade mínima. Por mais que o Henrique (Meirelles, ministro da Fazenda) continue falando na perspectiva de votar, parece remota. É um problema sério, mas não é o que está definindo o atual momento. Isso pode virar um problema se a gente não fizer nada em um horizonte de tempo maior. No curto prazo, houve descolamento. No que diz respeito à perspectiva das reformas, o cenário ficou negativamente afetado e pode ter consequências importantes no futuro.
Em que medida o cenário externo está ajudando nesse quadro?
É grande, quer dizer, um cenário que causava receio no início do ano não se observou. O (Donald) Trump assumiu, com discurso em que vi uma política econômica muito negativa. Incluía um programa de estímulo fiscal baseado em cortes de impostos em uma economia já muito perto do pleno emprego. Isso ameaçava o ritmo de aumento de juro. Se viesse com um programa agressivo, provavelmente o Federal Reserve (Fed, banco central dos EUA) iria reagir e elevar o juro mais rápido. Isso não ocorreu, basicamente porque o governo Trump está paralisado, não consegue avançar na sua agenda. Também havia grande receio quanto a adoção de políticas protecionistas que não saíram ainda. Não é uma ameaça que tenha sido superada, mas também não avançou. Temos ainda um cenário de comércio internacional bastante favorável para o Brasil. O preço de commodities em alta é bom e também serve para evitar apreciação mais forte do real. Temos observado as contas externas brasileiras indo muito bem. Não é mais só uma questão de queda na importação. As cotações estão subindo, e as exportações sobem ainda mais. O volume das exportações depende do comércio internacional, que está em volume bastante elevado.
Esse cenário é tão benigno que já suscita discussão sobre eventuais bolhas. São pertinentes?
A economia norte-americana não está indo mal, mas é preciso certo cuidado. Um estudo da The Economist mostrou que o valor de mercado das empresas americanas está muito acima do histórico. A questão crucial é: o juro que vai prevalecer é esse que estamos vendo? O título do Tesouro (dos EUA) de 10 anos está na casa de 2% (ao ano). Sempre descontando tudo a 2%, os valuations ficam gordos, mesmo. A questão é: esse juro baixo veio para ficar ou não? Se sim, talvez esses valuations não sejam exagerados. Se não é esse o caso, começam a aparecer pressões inflacionárias. Tem um fundamento que não consigo dizer qual é. O mundo nos próximos anos é de juro de 10 anos a 2% ou, como a gente conheceu, é um mundo de juro a 4% ou 5%? Sinceramente não tenho resposta para isso.
Que riscos as pendências do Brasil oferecem para a reação?
No atual momento, em parte por esse mundo de juro baixo, não parece ser um empecilho. Mas se olhar um pouco adiante, e tenho insistido nisso, a trajetória das contas públicas brasileiras não é boa em várias dimensões. Em curto prazo, temos déficits bastante elevados, e o endividamento segue subindo. Outra questão é o teto constitucional de gastos criado no ano passado, que não sobrevive sem reformas. Um trabalho muito bem feito do pessoal da fiscalização independente do Senado mostra que, se somar todas as despesas sujeitas ao teto e tirar a parte obrigatória, hoje há uma margem, que é a diferença entre o teto e as despesas obrigatórias, da ordem de 7% do conjunto de despesas. Sem reforma, essa margem desaparece em 2022. Vai a zero, mas não se pode esperar até 2022. O governo se torna inoperante muito antes. Então em 2019, 2020, tem um momento em que não dá para conciliar o teto de gastos, a manutenção das atividades do governo e a ausência de reformas. Ou se faz as reformas ou fecha o governo ou abandona o teto de gasto. Do jeito que é o Brasil, se não houver reforma, o que vai espirrar é o teto de gastos. Um país com a tradição de governança do Brasil é o teto lá embaixo, em particular porque não se sabe quem vai ser eleito no ano que vem. Se for Ciro Gomes, já disse que vai reverter todas as reformas do Temer, porque são ilegítimas. É de uma cretinice sem par, inclusive porque a reforma não é do Temer. O teto constitucional pode ter sido iniciativa do Executivo, mas bem ou mal foi aprovado pelo Congresso. Cro Gomes tem certa dificuldade de distinguir Executivo, Legislativo e Judiciário. Acho que a possibilidade de ele ser eleito é muito baixa, mas ha esse risco sobre a mesa. Não dá para ignorar.
Afinal, qual é o papel das elites na condução do país, considerando as mais recentes decisões do Congresso?
O Congresso tem feito um esforço extraordinário para se desmoralizar. Não conseguiria pensar em nada mais desmoralizador no Congresso do que a atuação nos últimos meses. Estou muito focado na questão fiscal, mas não é só isso. Há uma série de outras mudanças que precisamos fazer. Mas a questão fiscal é a mais urgente. A trajetória não é sustentável. Precisamos mudar. Dependendo da elite de que falamos, tem gente que não quer mudar. As elites industriais do país têm se mobilizado contra alguns programas, como as mudanças no BNDES. Foi uma oposição assertiva. Sou a favor de reformas que teriam impacto negativo sobre a minha posição. Há questões tributárias absolutamente indefensáveis.
O que é essencial, além da situação fiscal mais sustentável?
Um regime tributário mais equitativo, menos distorcivo, que trate pessoas que fazem coisas iguais de maneira igual no sentido de evitar perdas de eficiência. Estamos falando de eliminação de "meias entradas", começou pelo BNDES (mudança da TJLP para TLP), tem uma série de questões a serem tratadas, como o sistema S. Precisamos ainda de maior abertura comercial, buscar integração mais ativa no mercado internacional, com mais acordos de livre comércio, uma agenda de produtividade. A lista é longa, mas são todas importantes. A mais urgente é a fiscal. É uma pré-condição. Sozinha, não leva muito longe. Precisa fazer e ganhar tempo para fazer o resto.