Sinto na pele, embora não seja judeu. Minha ancestralidade é italiana temperada com alemã. Mas, como casado com uma judia, e tendo duas filhas judias — é matrilinear a pertença no povo judeu —, meu coração vibra e sofre como de um.
Aprendi com a Diana, minha esposa, que pouco adianta não se dizer judeu. Os outros estão sempre lembrando a condição judaica do sujeito. Não há escolha.
Neste fim de semana, o ataque do Hamas a Israel me entristeceu, ainda mais por ter uma afilhada vivendo lá. Mas meu incômodo adicional veio com o antissemitismo nas mensagens de conhecidos, chegadas pelas redes sociais. Não na sua forma explícita, e sim o antissemitismo latente e/ou inconsciente.
As primeiras manifestações sobre o ato terrorista vieram com o mal disfarçado gozo relativo às vítimas judaicas "que mereceram", e não condenando o absurdo atentado contra alvos civis.
Diante de um crime abominável, o primeiro assunto não foi: que tristeza para o mundo, mais uma vez morte de inocentes; ou como estás lidando com isso? Frente a um ato terrorista, é correto, empático ou ao menos elegante começar o assunto culpabilizando as vítimas?
Claro que tudo está conectado, há lógica por trás do ataque. A história do Oriente Médio é complexa, camadas e camadas de conflitos e ressentimentos superpostos. Lá não existe o simplismo de mocinhos e bandidos.
O estado de Israel já errou, todos os envolvidos já erraram. O atual governo vai no sentido oposto da paz. Israel está cindido ao meio contra os desatinos de seu primeiro ministro. Porém, alguns dos oponentes de Israel têm como fundamento político que ele desapareça. Como lidar com isso?
Nos dois lados da fronteira entre Espanha e França, viveram os agotes, um povo discriminado. Eram iguais ao resto da população de então: mesma religião católica, língua, sotaque, costume. Fisicamente ninguém os diferenciaria, não fosse a indumentária identificadora. Viviam fora das aldeias. Eram proibidos de casar com os outros. Era um apartheid medieval.
Não se sabe sua origem e por que eram malditos. Se existem várias hipóteses sobre um povo, é porque ninguém os decifrou. Eram como os intocáveis da Índia, malditos porque nasceram malditos.
Trago-os para lembrar que os humanos, na falta de um inimigo, inventam um. Alguém tem que ser o Outro, que será moralmente inferior, insidioso, perigoso e portanto odiado. É duro ser judeu.